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Um cosmos de possibilidades guiado por Beats Zodiac

Publicado em

18/11/2020 10h36

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Opinião

 

 

Além do faz-de-conta do Halloween e da ansiedade pelo Natal, o final do ano do brasileiro passou a abrigar já há algum tempo a expectativa por um lançamento da Skol Beats, na sequência de novas versões que vêm marcando a cultura urbana jovem. Porém Skol Beats é passado, em toda sua comunicação, agora é apenas Beats. Como na almejada emancipação de uma jovem em sua recém-maioridade, a marca mãe é deixada de lado para se usufruir de uma nova liberdade, longe do nome da família. Se por um lado Beats se vê livre das amarras da Skol, se afastando da cerveja que foi apenas em seus primeiros anos de vida, passa a enfrentar os percalços da vida adulta sem o endosso e cuidado que recebera até então.

 

Mas chega finalmente novembro e, desde que Anitta foi escolhida como a head de criatividade da marca, a linguagem de Beats nas redes sociais foi se transformando: mais juventude, mais irreverência, mais proximidade. Não é de se espantar que esse ambiente seria responsável por fertilizar novas criações. Surge, assim, Beats Zodiac. São quatro sabores inspirados nos quatro elementos do zodíaco, cada um com três variações de embalagem, totalizando doze latas únicas.

 

A relação da juventude com a Astrologia não é recente; dos horóscopos das revistas adolescentes até a recorrente “culpa do signo” nas redes sociais, a posição das estrelas na hora do nascimento oferece justificativa para escolhas de qualquer natureza. Na dureza do contemporâneo, quando o passado não dá mais conta de explicar a vida e o futuro é turvo demais para ser vislumbrado, um esclarecimento cósmico parece uma alternativa razoável para proporcionar algum conforto frente às angústias do cotidiano.

 

À saída pela espiritualidade, Beats une a fuga do real, sem esquecer que estamos falando de uma bebida alcóolica, com seus efeitos já muito bem conhecidos. A solução visual reforça esses sentidos escapistas, místicos e transcendentais: as nuvens, as estrelas, os liláceos, dourado… Afinal, signo não é apenas do zodíaco, mas uma unidade semiótica: qualquer coisa que significa algo para alguém (em uma desmedida simplificação do que C. S. Peirce entende como signo), e o processo de interpretação desses signos é o que preenche nossas vidas de sentido, sejam eles obras de arte, pensamentos ou latas de bebidas.

 

Ainda que a temática perca em inovação se confrontada com os últimos lançamentos da marca, Zodiac promove um encontro profícuo entre o produto e os tempos que enfrentamos. A Skol é uma das grandes patrocinadoras do efervescente carnaval de rua de São Paulo, colocando, ano após ano, novas versões de Beats como “as bebidas” desse conjunto de dias de puro êxtase da juventude. Isso até nos depararmos com 2020 e o assolamento por um vírus que tornou nosso imprevisível futuro ainda mais incerto.

 

Como uma bebida urbana, da aglomeração, dos abraços e dos beijos enfrenta esse período em que uma barreira abrupta nos impõe tantos limites? Se o antropólogo Roberto DaMatta nos mostra que a rua é o lugar da mistura por excelência, que ela passe a ser feita, então, dentro de casa; mistura não das pessoas, mas das bebidas. Clotilde Perez, professora titular de semiótica e publicidade na ECA-USP, nos ensina que na casa do brasileiro, a cozinha é o lugar da experimentação, um laboratório que constitui um polo criativo, favorece a invenção e o afeto. Na cozinha criamos sabores, cores e texturas a serem compartilhadas, um ambiente simbólico que caminha em sentido à comunhão – gregarismo modesto no contexto atual, mas que se apresenta como solução possível à socialização hoje.

 

Zodiac, sensível ao entender esse aspecto da cultura, oferece quatro sabores e instiga o consumidor a misturá-los, a ser o alquimista de sua própria bebida. Um incentivo à criatividade que dificilmente se realizaria na rua. Dado que em 2018, com o lançamento das versões Fire & Frost, a tarefa de encontrar um sabor específico se tornou um grande desafio entre o axé e as multidões, o que poderia ser esperado de quatro variedades? É no ambiente controlado da casa que temos a calma para pensar nas misturas, nas quantidades e na apresentação; alimentamos a criatividade e ganhamos em ludicidade. A embalagem mais uma vez corrobora e constrói essa dinâmica: com suas cores sólidas, é pouco eufórica; com tons atenuados, é mais serena; com um layout organizado, estabelece a ordem. Tudo isso sem renunciar às finas linhas douradas que promovem conexão, geram movimento e evitam o engessamento e envelhecimento na proximidade com uma disciplina milenar.

 

E se estamos falando da embalagem, impossível não passar por sua materialidade. A adequação da lata ao ambiente urbano é sem igual: hermeticamente fechada, protege o líquido contra contaminação e os intempéries da rua. Porém, a lata é fria, incompatível com o calor e afeto do ambiente doméstico, e sua proteção quase nada faz contra a “vida” microscópica que vem nos assombrando (pelo contrário, é uma via para carregá-la). Mais uma vez a mistura pressupõe ações que carregam sentidos: ela nos obriga a tirar o líquido da lata e colocá-lo em um copo, sentir o sabor, apreciar a criação e avaliar o resultado.

 

Da materialidade ao que ela serve de suporte, há nas doze versões pouca sugestão de qualquer colecionismo, como incentivado pela marca. Aficionados por Astrologia ou por coleções de qualquer tipo à parte, o consumidor mediano se restringiria a guardar apenas a embalagem correspondente a seu signo, quando muito. Ação que é, contraditoriamente, reforçada pela própria marca ao dizer “A Beats que combina com seu signo”; a explicação cosmológica para o humor e para os comportamentos se transforma em uma restrição dos gostos individuais. O que não diminui, no entanto, o refino visual na construção gráfica das latas, a delicadeza dos traços de cada símbolo e a qualidade de sua produção – sentidos que instigam o olhar do consumidor e o movem em direção ao consumo.

 

Beats Zodiac parece enfrentar o desafio que lhe foi colocado com sensibilidade e inteligência. A Astrologia traz conforto, introspecção e misticismo à angústia de nossos dias; o produto se adequa a seu tempo e dialoga com as novas dinâmicas do cotidiano; a marca mantém a conexão com universo jovem, que é o embrião de sua criação. No entanto, impossível passar ao largo de que, à parte dessa juventude, são escassos os sentidos constantes a cada novo lançamento da recém-adulta Beats e, com todas as implicações que isso carrega para gestão de marca, talvez seja exatamente essa sua essência: deslizante, cambiante e múltipla como as identidades de seus consumidores, como uma jovem emancipada ávida por novidades.

 

Rafael Orlandini

Publicitário, especialista em Cultura Material e Consumo e mestrando do PPGCOm USP.