Publicidade e transbordamento

Publicado em

05/05/2021 13h00

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Artigo

 

O mundo moderno, conjugando as inclinações economicista e tecnicista, associa o perfil de sociedade capitalista, voltada à valorização do mercado, ao estímulo ao consumo, com o crescimento absurdo das novas tecnologias, responsáveis pelo fluxo de conteúdos por distintas plataformas e sistemas de transmissão. Dentro desse cenário, como se sabe, a publicidade ganha evidência, pois não apenas se consolida como prática social adequada a essa sociedade que incentiva o processo de troca, escancarando sua natureza econômica, como recorre a diferentes dispositivos e suportes mobilizados na construção das produções midiáticas, que patenteiam seus avanços tecnológicos.

 

Tal condição reitera, no âmbito da publicidade, o chamado transbordamento, compreendido como um fenômeno que se espalha em várias direções, em várias mídias, e que contamina todo o processo de realização, veiculação e consumo de produtos, marcas, serviços. A presença de prefixo trans (além de, para além de, em troca de) reforça a ideia de um universo amplo de situações diferentes do que eram, ou seja, de noções ligadas a mudanças, a extrapolação de barreiras, a extravasamento de bordas. De fato, o transbordamento, associado a essa expansão de limites, constitui elemento de regulação entre os homens, de incentivo ao consumo, de supremacia do mercado, de profusão de plataformas e, também, provoca alteração das lógicas de processamento, pois modifica a relação entre tecnologia, mercado e público.

 

No que diz respeito à publicidade televisual, esse movimento é capaz de interferir nas estratégias de fazer e de dizer de uma emissora. No eixo do fazer, inclui ações que vão das inserções deliberadas de marcas dentro dos programas, ao patrocínio de determinados espaços, às iniciativas de interesse social e cultural de uma emissora e aos apelos de valorização da própria empresa de comunicação. No eixo do dizer, atualiza-se nas falas de apresentadores sobre atrações do mesmo canal, nas chamadas sobre a programação e, inclusive, nas interferências inesperadas dos anunciantes dentro da construção discursiva dos programas.

 

Como, além disso, o mercado também é movido por subjetividades, a publicidade aproveita seu viés criativo para projetar, nessas produções, o espaço em que as emoções afloram, os desejos se consolidam, os sonhos ganham concretude. O resultado é, muitas vezes, a assimilação da trama publicitária pelo consumidor, que chega a confundir a objetividade do dado verdadeiro com a subjetividade do inesperado, responsável pela projeção das emoções. Isso favorece a interação, o entretenimento e a persuasão, reiterando esse movimento de transbordamento que redefine ações por parte das marcas, contamina falas e condiciona discursos.

 

Ao lado dessa profusão de recursos e de espalhamentos, o conteúdo publicitário ainda pode ser apresentado de forma não linear e acessado de forma não sequencial por parte do público-alvo. Essa relativa ausência de limites entre mídia, suporte e conteúdo exige, por parte dos consumidores, atenção para perceber o quanto a publicidade se alastra por mídias e plataformas ou como trabalha na defesa de causas sociais, culturais, políticas; discernimento para operar com esse discurso, seja pelo envolvimento supostamente solidário, seja pelo grau de subjetividade pretendido; e conscientização para reconhecer o grau de investimento no inesperado e de coerência praticada, no estímulo a novas formas de interatividade.

 

 

Maria Lília Dias de Castro

Professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Tem doutoramento pela Universidade de São Paulo (USP) e Pós-Doutorado em Televisão e Publicidade, pela Universidade Paris III, Sorbonne Nouvelle. Na coordenação da pesquisa Estratégias de promocionalidade: da televisão às outras plataformas midiáticas, tem direcionado sua investigação para a área da publicidade, do discurso promocional, tendo como base a teoria semiótica francesa, de inspiração greimasiana. Essas reflexões têm sido objeto de publicações na área e de participação em encontros acadêmicos nacionais e internacionais.

Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.