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Por que o PL 2630/2020 ameaça a publicidade digital brasileira?

Publicado em

18/03/2022 08h30

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Conheça as propostas do ABI Brasil para alteração de texto do PL de regulamentação do combate às fake news sem causar prejuízo à publicidade digital

 

Muito tem se falado sobre a ‘Lei das Fake News’ e os impactos que sua aprovação trará para os mais diversos setores da economia. Embora a criação de um projeto de lei voltado ao tema seja imprescindível, o texto do PL 2630/2020 oferece hoje sérios riscos à publicidade digital e todas as empresas que dependem dela para uma maior projeção de seus negócios e produtos.

O IAB Brasil (Interactive Advertising Bureau), como representante do setor da publicidade digital, é favorável às regulamentações de combate ao compartilhamento de notícias falsas – desde que essas regras não impeçam a população de usufruir do seu direito ao acesso gratuito de serviços digitais hoje essenciais para todos nós (como e-mails, sites de busca, conteúdo noticioso, entre tantos outros disponíveis na internet) e não coloquem em risco a estabilidade da economia brasileira, o nosso mercado de atuação e nem a sustentabilidade das tantas empresas que dependem de anúncios segmentados para alavancar seus negócios, produtos e serviços.

Em discussão desde 2020, o Projeto de Lei n. 2630/2020 – conhecido popularmente como “Lei das Fake News” – representa, em sua íntegra, prejuízos sem precedentes para o desenvolvimento e para a evolução de toda a nossa indústria. Confira, abaixo, os problemas que alguns artigos da proposta podem trazer para o País, segundo o IAB Brasil, e quais as possíveis alterações de redação para a PL.

 

Art. 5º Padronização do termo “propaganda”

Os incisos II e III do art. 5º do PL dividem a veiculação de anúncios entre “publicidade” e “impulsionamento”. O problema aqui é que o termo que une as duas expressões já existe: é o que chamamos de “propaganda”, definida na Lei n. 4.680/65. Para que dividir algo que já existe de forma unificada há tanto tempo? Como está no texto do PL 2630/2020:

Art. 5º – Para os efeitos desta Lei, considera-se: (…)

II – publicidade: conteúdo veiculado em troca de pagamento pecuniário ou valor estimável em dinheiro para os provedores de que trata esta Lei;

III – impulsionamento: ampliação de alcance de conteúdos mediante pagamento pecuniário ou valor estimável em dinheiro para os provedores de que trata esta Lei;

A proposta da IAB Brasil é a modificação do texto para a seguinte redação:

Art. 5º – Para os efeitos desta Lei, considera-se: (…) II – propaganda: compreende-se por propaganda qualquer forma remunerada de difusão de ideias, mercadorias ou serviços por parte de um anunciante identificado, conforme descrito na Lei n. 4.680/65.

EXCLUSÃO DO INCISO III.

 

Art. 6º Identificação de conteúdo na origem de sua postagem

O atual texto do Art. 6º foca na identificação do conteúdo na origem de sua postagem, quando deveria focar na identificação de contas automatizadas. Também conhecidas como bots, essas contas têm potencial para disseminar a desinformação.

As notícias falsas se espalham 70% mais rápido que as verdadeiras – essa conclusão é de um dos maiores estudos já realizados sobre a propagação de fake news na internet, realizado por cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), dos Estados Unidos, em 2018.

O texto afirma que a identificação do conteúdo deve ser feita de “maneira destacada”. Essa definição é subjetiva, já que pode variar de acordo com o formato da peça de mídia, não sendo possível definir uma forma padrão. O que se deve garantir aqui é que fique claro para as pessoas que aquilo se trata de um conteúdo de propaganda. Como está no texto do PL 2630/2020:

II – identificar todos os conteúdos impulsionados e publicitários cuja distribuição tenha sido realizada mediante pagamento ao provedor, bem como os conteúdos referentes às contas automatizadas; e (…)

§ 1º A identificação de conteúdos impulsionados e publicitários de que trata este artigo deve ser sinalizada de maneira destacada e a sinalização mantida inclusive quando o conteúdo ou mensagem for compartilhado, encaminhado ou repassado de qualquer maneira.

A proposta da IAB Brasil é a modificação do texto para a seguinte redação:

II – identificar conteúdos de propagandas que sejam veiculadas pelos provedores; (…)

§ 1º A identificação de propaganda deve ser clara e perceptível ao usuário.

 

Art. 7º O fim da publicidade direcionada

O fim da publicidade direcionada Os parágrafos 1º e 2º do art. 7º tornam completamente inviável e ilegal a atividade econômica da publicidade direcionada no Brasil – ao contrário do que acontece em todos os outros lugares do mundo que possuem uma internet aberta. Isso afetaria fortemente a economia nacional, uma vez que a publicidade digital é um dos principais canais de investimento de mídia no Brasil: de acordo com a pesquisa Digital AdSpend, do IAB Brasil em parceria com a Kantar IBOPE Media, o mercado movimentou R$ 23 bilhões, sendo 90% deste investimento destinado a anúncios segmentados só em 2020.

Sem a publicidade digital, grande parte da engrenagem deixaria de funcionar, o que geraria desemprego no setor. Segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Ministério da Economia, a publicidade gera quase 200 mil empregos. Quando somados os segmentos diretos e indiretos, como tecnologia da informação, por exemplo, o estudo chega ao número de 435 mil empregos relacionados a essa indústria. Como está no texto do PL 2630/2020:

Art. 7º – Para assegurar o cumprimento dos objetivos estabelecidos nesta Lei, os provedores devem elaborar suas regras próprias respeitando a legislação nacional e aplicá-las com equidade, consistência e respeito ao direito de acesso à informação, à liberdade de expressão e à livre concorrência.

§ 1º Fica vedada a combinação do tratamento de dados pessoais dos serviços essenciais dos provedores com no mercado em que atua ou em outros mercados. os de serviços prestados por terceiros, quando tiverem como objetivo exclusivo a exploração direta e indireta

§ 2º O provedor que armazenar e utilizar dados de qualquer natureza em desacordo com o disposto no § 1º, incorrerá em infração prevista no disposto no art. 36 da Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011.

A proposta da IAB Brasil é a modificação do texto para a seguinte redação:

Art. 7º – Para assegurar o cumprimento dos objetivos estabelecidos nesta Lei, os provedores devem elaborar suas regras próprias, respeitando a legislação nacional, e aplicá-las com equidade, consistência e respeito ao direito de acesso à informação, à liberdade de expressão e à livre concorrência.

EXCLUSÃO DOS PARÁGRAFOS – § 1º e § 2º

 

Art. 12º Mensageria para ações publicitárias

O parágrafo 1º do art. 12º proíbe a venda de tecnologias que permitem a disseminação de mensagens massivas por meio de serviços de mensageria instantânea. Porém, essas tecnologias – conhecidas como softwares ou plugins (de startups brasileiras de capital aberto como, por exemplo, Zenvia ou Sinch) – são fundamentais para que pequenas empresas vendam seus produtos/serviços.

Com a aprovação do texto, a população brasileira não poderia mais receber, entre outras coisas, informações sobre as datas da vacinação contra a COVID-19 que são enviadas pelo próprio governo. O mesmo valeria para produtos, marcas e serviços – que não mais poderiam se comunicar com seus consumidores através de aplicativos como WhatsApp e Facebook Messenger, por exemplo.

No Brasil, existem cerca de 5 milhões de contas do tipo “WhatsApp Business” – divisão criada para quem faz negócios pelo aplicativo. Mais de 175 milhões de pessoas trocam mensagens com uma conta do WhatsApp Business diariamente, e quase 15 milhões de pessoas acessam um catálogo de empresas no aplicativo.

De acordo com uma pesquisa do Sebrae em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), realizada em 2021, apenas 23% dos empresários têm sites próprios de venda. Na hora de vender pela internet, 84% preferem o WhatsApp – em seguida aparecem Instagram (54%) e Facebook (51%). As pequenas empresas seriam profundamente prejudicadas com esta mudança. Como está no texto do PL 2630/2020:

(…) § 1º Fica proibida a venda de softwares, plugins e quaisquer outras tecnologias que permitam disseminação massivos nos serviços de mensageria instantânea.

A proposta da IAB Brasil é a modificação do texto para a seguinte redação:

EXCLUSÃO DO § 1º.

 

Art. 16º Acesso indiscriminado às informações dos anunciantes

O art. 16º exige que os provedores permitam a identificação dos colaboradores responsáveis por veicular anúncios, com o compartilhamento, por exemplo, de um meio de contato desta pessoa aos consumidores. Acreditamos que, da forma como está redigido, o artigo possibilita a ocorrência de comportamentos que vão além dos exigidos pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), concedendo o acesso indiscriminado à informações e dados pessoais dos empresários e seus funcionários, sem fundamento legítimo.

O ideal é que os provedores desenvolvam mecanismos que possam identificar as propagandas e seus anunciantes. Além disso, mediante ordem judicial, o provedor seria obrigado a disponibilizar informações que possam contribuir para a identificação específica dos responsáveis por eventuais infrações. Como está no texto do PL 2630/2020:

Art. 16º – Os provedores de redes sociais e mensageria instantânea devem identificar os conteúdos impulsionados e publicitários, de modo que a conta na aplicação de internet responsável pelo impulsionamento ou anunciante seja identificada.

Parágrafo único. Os provedores de ferramentas de busca devem identificar conteúdos publicitários, de modo que o anunciante seja identificado.

A proposta da IAB Brasil é a modificação do texto para a seguinte redação:

Art. 16º – Os provedores devem desenvolver, no âmbito e nos limites técnicos de seus serviços, mecanismos com o fim de identificar os conteúdos de propaganda e seu anunciante, de modo a conferir transparência aos usuários sobre a natureza e responsabilidade pelo referido conteúdo.

§ 1º. Os provedores deverão facilitar o acesso pelos usuários a meios de contato com o anunciante.

§ 2º Em caso de fundados indícios de ocorrência de ilícitos por parte do anunciante na veiculação da propaganda, o provedor será obrigado a disponibilizar dados cadastrais ou outras informações que eventualmente possua que possam contribuir para a identificação específica do anunciante e demais responsáveis pelo ilícito, mediante ordem judicial.

 

Art. 17º Sobrecarga de veículos de mídia e provedores de tecnologia

O art. 17º diz que os provedores devem disponibilizar aos usuários das plataformas, de maneira fácil, a visualização de todos os conteúdos de propaganda eleitoral que forem impulsionados. A exigência valerá até mesmo para os conteúdos que não forem assim identificados.

O texto é abrangente demais, uma vez que esta obrigação deveria existir apenas para os provedores que fornecem a possibilidade de veiculação de propagandas eleitorais, de forma que as pessoas possam entendê-los como tal.

Ao instituir uma obrigação genérica, o artigo abre brechas para que esses provedores, inclusive startups, tenham que revelar seus segredos de negócios e suas estratégias comerciais ao serem obrigados a exibir uma listagem de todo conteúdo impulsionado – o que acabaria por expor, por exemplo, critérios de segmentação, quando não houvera identificação como propaganda eleitoral. Como está no texto do PL 2630/2020:

Art. 17º – Os provedores devem disponibilizar aos usuários, por meio de fácil acesso, a visualização de todos os conteúdos de propaganda eleitoral impulsionada.

A proposta da IAB Brasil é a modificação do texto para a seguinte redação:

Art. 17º – Os provedores que fornecerem propaganda eleitoral devem disponibilizar aos usuários, por meio de fácil acesso, a visualização dessas propagandas eleitorais assim identificadas pelo anunciante.

 

Art. 18º Exigências para além da LGPD

O Art. 18º, por sua vez, faz exigências que vão além da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), em vigor desde agosto do ano passado. Como está, o texto exige que os provedores de redes sociais e de serviços de mensageria instantânea detalhem informações sobre o tratamento de dados pessoais que fazem, gerando uma possível quebra de segredos de negócio das empresas. Como está no texto do PL 2630/2020:

Art. 18º – Os provedores de redes sociais e de serviços de mensageria instantânea devem disponibilizar mecanismos para fornecer aos usuários as informações do histórico dos conteúdos impulsionados e publicitários com os quais a conta teve contato nos últimos 6 (seis) meses, detalhando informações a respeito dos critérios e procedimentos utilizados para perfilhamento que foram aplicados em cada caso.

Nova proposta:

EXCLUSÃO DO ARTIGO.

 

Art. 19º Exposição de estratégias e segredos de negócio

O art. 19º do PL exige diversas informações sobre o impulsionamento de propaganda eleitoral (ou conteúdos que mencionem candidatos, coligações ou partidos). Se aprovado como está, o artigo feriria segredos de negócio das estratégias publicitárias, uma vez que exige a disponibilização ao público de todo o conjunto de propagandas veiculadas, mesmo que não sejam identificadas pelos usuários como propaganda eleitoral. Além do que, o artigo ignora a existência de intermediários na cadeia de mídia digital. Na prática, algumas das obrigações são impossíveis de serem cumpridas. Como está no texto do PL 2630/2020:

Art. 19º – Os provedores que fornecerem impulsionamento de propaganda eleitoral ou de conteúdos que mencionem candidato, coligação ou partido devem disponibilizar ao público todo o conjunto de anúncios impulsionados, incluindo informações sobre:

I – valor total gasto pelo candidato, partido ou coligação para realização de propaganda na internet por meio de impulsionamento de conteúdo no respectivo provedor de aplicação

II – identificação do anunciante, por meio do número de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) ou no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) do responsável pela contratação do impulsionamento;

III – tempo de veiculação;

IV – identificação de que o conteúdo se relaciona a propaganda eleitoral, nos termos da lei.

V – características gerais da audiência contratada;

VI – as técnicas e as categorias de perfilhamento;

VII – o endereço eletrônico dos anúncios eleitorais exibidos;

VIII – cópia eletrônica das mensagens e o nome do responsável pela autorização de seu envio.

Nova proposta:

Art. 19º – Os provedores que fornecerem propaganda eleitoral devem disponibilizar ao público todo o conjunto de peças de propaganda identificadas pelos usuários como propaganda eleitoral, incluindo informações sobre:

I – valor estimado gasto pelo candidato, partido ou coligação para realização de propaganda eleitoral no respectivo provedor de aplicação;

II – identificação do anunciante, por meio do número de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) ou no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) do responsável pela contratação da propaganda;

III – tempo de veiculação;

IV – identificação de que o conteúdo se relaciona a propaganda eleitoral, nos termos da lei;

V – características gerais da audiência contratada;

VI– o endereço eletrônico das propagandas eleitorais exibidas.

 

Art. 20º Riscos à privacidade e burocratização de processos publicitários

No seu art. 20º, o PL exige que os provedores confirmem os documentos de identificação dos anunciantes e dos colaboradores responsáveis pelas contas que impulsionam conteúdos. Tal medida pode gerar riscos para a privacidade, uma vez que os provedores deverão checar e armazenar dados pessoais em excesso – o que também gera a burocratização dos processos publicitários. Como está no texto do PL 2630/2020:

Art. 20º – Os provedores devem requerer dos anunciantes e responsáveis pelas contas que impulsionam conteúdos, a confirmação da identificação, inclusive por meio da apresentação de documento de identificação válido, sob pena de serem responsabilizados solidariamente pelo dano por eles causado.

Nova proposta

Art. 20º – Os provedores devem adotar mecanismos para identificar os anunciantes e contas de anunciantes que contratem a veiculação de propaganda.

 

Art. 21º O Brasil excluído de inovações globais

O art. 21º exige que a comercialização de publicidade realizada por empresas internacionais seja realizada e reconhecida por sua representante no Brasil. Ou seja, esta exigência exclui do mercado brasileiro a atuação de inúmeras empresas e startups que não possuem representação no País. Assim, se aprovado da forma como está, o artigo prejudica a atração de investimentos para o mercado brasileiro e exclui anunciantes que utilizam tecnologias estrangeiras (muitas vezes, em razão do custo relativamente mais baixo) do ecossistema internacional de inovação na área de mídias digitais, além de dificultar o acesso e diminuir a oferta de serviços disponíveis. Como está no texto do PL 2630/2020:

Art. 21º – A comercialização de publicidade para inserção por provedores domiciliados no exterior deverá ser realizada e reconhecida por sua representante no Brasil e conforme a legislação de regência da publicidade no país, quando destinada ao mercado brasileiro.

Nova proposta

EXCLUSÃO DO ARTIGO

 

Art. 25º Restrições na compra de publicidade digital pela administração pública

O art. 25º, por sua vez, proíbe que a Administração Pública contrate publicidade de provedores que não são constituídos de acordo com a legislação brasileira e com representação no País. É correto exigir que a legislação que regulamenta a propaganda no Brasil seja cumprida. Contudo, a redação atual do artigo limita a oferta de serviços dessa natureza por aqui, uma vez que diminui o número de empresas que oferecem tal serviço. Como consequência, pode haver um encarecimento da contratação que será feita pela Administração Pública, já que apenas empresas que possuem representação no território nacional poderiam ser contratadas. Como está no texto do PL 2630/2020:

Parágrafo único. Fica vedada a contratação de publicidade pela Administração Pública junto a provedores que não sejam constituídos de acordo com a legislação brasileira e com representação no país.

Nova proposta

Parágrafo único. Fica vedada a contratação de publicidade pela Administração Pública junto a provedores que não estejam em conformidade com a legislação brasileira sobre propaganda.