Para Além da Pandemia: a comunicação publicitária e as minorias LGBTQIA+

Publicado em

02/06/2021 11h00

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Artigo

 

Desde que tivemos o primeiro caso confirmado de pessoa infectada pelo novo coronavírus no Brasil, entramos num estado de alteração profunda de nossas relações sociais com um impacto sem precedentes na comunicação publicitária. Por exemplo, em âmbito da produção, o isolamento social invadiu os comerciais de televisão com suas locações internas, reproduzindo os espaços privados para os quais fomos orientados a nos refugiar diante de alternativas a evitar a contaminação com o SARS-CoV-2. Neste ínterim, deve-se ter sentido falta da propaganda, aquela veiculação massiva que os governos federal, estadual e municipal deveriam ter anunciado desde o início da pandemia orientando a comunidade de como se proteger e evitar o contágio.

 

Em nossas rotinas, fomos, perversamente, à custa de mais de 450 mil vidas, só em território nacional, inseridos no século XXI de fato. Ele já tinha chegado há algum tempo, mas ainda não tínhamos experimentado trabalhos remotos, aulas, reuniões, defesas em salas virtuais como única possibilidade segura de trabalho. Estamos mediados literalmente pela tecnologia.

 

Fomos impelidos a manter nossas rotinas presenciais, assegurando o que já fazíamos, porém, de um jeito diferente. Tivemos que aprender a lidar com uma nova etiqueta social, com algumas cenas inusitadas, quando o espaço privado de nossas casas se misturou com o ambiente de trabalho e, em certas situações, expôs a intimidade que ousava atravessar nossos encontros virtuais profissionais.

 

Na área da publicidade, paralelo a esse cenário, estamos diante do desafio da adaptação dos currículos dos cursos de Publicidade e Propaganda às diretrizes nacionais do Conselho Nacional de Educação do Ministério da Educação. Com tamanha repercussão da COVID-19, há a sensação de que as pautas recorrentes foram colocadas em suspensão e não se ouviu falar de discussões sensíveis ao fazer publicitário que eram comuns até então.

 

Contudo, não tão distantes estamos dessas pautas, já que as diretrizes curriculares do CNE/MEC ponderam sobre as competências e as habilidades na formação de futuros publicitários. Obviamente, em uma perspectiva humanista, o impacto do que a publicidade diz deve ser constantemente discutido, debatido e objeto de leitura crítica de estudantes e de profissionais da comunicação. E aí chegamos ao ponto: a quantas andam as representações das minorias LGBTQIA+ na publicidade sob o impacto da pandemia?

 

Sabemos que pessoas em situação de vulnerabilidade social tendem a ser mais comprometidas em eventos catastróficos como o que temos vivido. Pelo contexto observado, a partir da pesquisa que coordeno sobre as representações LGBTQIA+ na publicidade e suas repercussões em rede social, a vulnerabilidade de certos segmentos na pandemia, entre eles os que escapam ao modelo heteronormativo, ainda não foi representada no texto publicitário. Assim como nas representações em geral, o espaço do isolamento social também é o mesmo cenário privado que insere um casal gay interracial em uma animação para um anunciante do setor financeiro. Para uma marca do ramo alimentício, houve uma tentativa de aproximar a pauta das minorias sexuais à questão da sustentabilidade. Parece que deu “match” entre “os avanços das representações e possibilidades de vivências da sexualidade trans na publicidade” e o descaso com o meio ambiente.

 

Se a peça aborda aquilo a que a contemporaneidade nos convida, ou seja, a refletirmos e a nos readequarmos sobre as nossas formas de vivermos e de nos relacionarmos com nossos semelhantes e com o meio ambiente, parece que há um recado dentro do paradigma da sustentabilidade. Resta saber o que de fato tem acometido o público LGBTQIA+ durante a pandemia e como isso impacta em suas vivências constantemente questionadas, negadas e alvos de violência moral e física. Isso a publicidade ainda não nos mostrou. Se for para seguir uma postura sustentável, ao reconhecer as interfaces entre o social, o ambiental e o econômico, ainda carecemos de uma representação condizente. É um desafio, sabemos. Pois, diante de tantas mortes por COVID-19 e a falta de vacina para boa parte da população brasileira, isso, perversamente, acaba colocando em segundo plano outras pautas não menos relevantes. Cabe também à publicidade trazer isso à tona. Desejo que as novas adaptações curriculares nos cursos de Publicidade e Propaganda nos apontem caminhos. Mais do que isso, espero que o isolamento social e as perdas irreparáveis de tantas vidas por falta de vacina tenham nos tornado mais sensíveis à nossa intrínseca diversidade. O único imune às riquezas de nossas idiossincrasias deveria ser apenas o vírus.

 

 

André Iribure

Professor Associado da Fabico/UFRGS, possui graduação em Comunicação Social – habilitação publicidade e propaganda, Mestrado e Doutorado em Comunicação e Informação PPGCOM/UFRGS com doutorado-sanduíche no PPGCOM/UFRJ. Autor do livro MPM: a agência dos anos de ouro da publicidade brasileira pela editora Insular (2015). Secretário de Comunicação UFRGS 2016/2020; Coordenador de Comunicação Aliança para Inovação – UFRGS/PUCRS/Unisinos – 2018/2020; Coordenador de Comunicação Pacto Alegre – Aliança e PMPA, desde 2018; Chefe do Departamento de Comunicação – 2009/2012; Vice-diretor 2012/2016 – Fabico-UFRGS. Pesquisa nas áreas de história, gênero, sexualidade, comunicação estratégica e publicidade. Coordenador da pesquisa Entre as Representações e as Repercussões LGBTQIA+: uma análise da publicidade veiculada na TV aberta e seus desdobramentos na Rede Social – Fabico/UFRGS, apoio CNPq. Participante da pesquisa Ciudades Imaginadas en la era digital Latinoamérica: POA Imaginada Digital, América del Sur, Central y España/Flacso.

Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.