O mundo físico do universo digital de Nubank

Publicado em

22/09/2021 09h37

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Observamos, agora já há anos, o contexto digital proporcionando uma proliferação e hibridização de linguagens que vêm afetando profundamente os rumos da publicidade. Ao mesmo tempo, marcas nativas digitais vêm enxergando na materialidade potentes suportes para promover encontros com as pessoas. O Facebook habitando o mobiliário urbano e estações de metrô para promover seus grupos, ou Google pintando empenas de prédios pela cidade de São Paulo são alguns exemplos.

Mas Nubank nunca foi estranho à materialidade. Pelo contrário, ela sempre foi um importante suporte midiático para a marca e elemento imprescindível em sua consolidação no cenário brasileiro desde seu lançamento em 2013. O cartão de crédito na expressiva cor púrpura foi o primeiro contato que muitos tiveram o banco digital. Sua superfície lisa, meio perolada, é instigante e diferenciada; mais uma das diversas inovações naquele contexto. Os dados do cartão enviados para o verso facilitavam sua midiatização e possibilitava a circulação nas redes sociais (processo esse sempre incentivado pela empresa). Foi a partir dessa desmaterialização do cartão físico e criação de uma nova materialidade nas publicações das redes sociais que ele foi sendo conhecido país afora, em um momento em que o acesso era ainda limitado. Outra estratégia: um serviço inovador, com uma diversidade de benefícios, porém restrito a poucos. Gera-se mais desejo.

O caminho rumo ao universo físico continua em 2018 com o lançamento da primeira campanha publicitária do banco. Um vídeo veiculado no Youtube com a performance de Elis Regina da música “Como os nossos pais”, a hashtag #onovosemprevem e alguns painéis espalhados por pontos de grande circulação na cidade de São Paulo. O encontro com as pessoas passou a acontecer também na rua. Nesses painéis, estrategicamente localizados próximos às agências de outros bancos, lia-se “Cuidado, há perigo na esquina”, em referência à música de Elis, mantendo o tom questionador que nasce de mãos dadas à inovação desde suas origens.

As provocações continuam em 2019, quando a marca lança “o primeiro e único TED pago do Nubank […]. Um lindo e exclusivo Urso Ted”, vendido por R$19,05, umas das maiores taxas cobradas no país para esse tipo de transferência bancária. Uma nova materialidade que dessa vez passa a habitar o ambiente doméstico e vai além. Traz concretude para um serviço oferecido pelo banco e reveste tudo isso da afetividade inerente aos bichos de pelúcia (caminhos para a construção de uma mascote, quem sabe?).

Sem contar os inúmero objetos absolutamente cotidianos, impregnados de púrpura e enviados como brindes. Óculos de sol, almofadas e garrafas d´água são alguns desses numerosos itens; ou até um miniventilador que chegou à casa de um cliente após reclamações nas redes sociais sobre o calor. Tudo isso traz concretude a uma marca que se materializava apenas virtualmente; traz presença e a insere como parte do dia a dia das pessoas para além das transações financeiras. Mas também (e principalmente) agrega valores que vêm sendo construídos desde sua origem, como comodidade, conforto e descomplicação.

Agora, em 2021, essa vida material de Nubank ganha outras dimensões e assume novos sentidos com o lançamento da “Lojinha do Nubank”. Não mais brindes e ações em mobiliário urbano, mas novos produtos que se encarnam na presença da matéria. A variedade é ainda escassa: porta-cartões, sketchbookse o retorno do bem-sucedido Urso Ted, mas nos revelam alguns caminhos.

Mantendo a coerência à sua pregada transparência, o site revela a composição do preço de cada produto, em que um quarto é destinado para doações de ONGs, sem lucro para a marca. A página termina: “mais do que usar um produto com a marca do Nubank, você estará usando um produto que ajuda a descomplicar a vida de outras pessoas. Ah, e com estilo ;)”.

Por um lado, renuncia-se a exclusividade desses objetos cor púrpura; sem mais ser pioneiro na posse do cartão ou ter recebido um brinde enviado apenas para você. O presentear carrega um apego que é perdido no acesso livre à compra. Porém, ganha-se na associação com responsabilidade social, sempre tão cara às instituições financeiras, sejam elas tradicionais ou não. Fica então o questionamento se os valores da marca geram identificação a ponto de as pessoas se disporem a pagar por esses produtos, agora com menor revestimento afetivo.

Seja qual for o desenrolar da Lojinha e seus produtos, que só observaremos no decorrer dos próximos meses, temos a nitidez que a marca nunca se relegou ao digital e isso faz parte de sua sensibilidade ao mundo atual. Transitando entre materialidades físicas e virtuais, em processos de midiatização e circulação nas redes sociais, Nubank se faz presente no cotidiano do brasileiro, transbordando a cada ação para novas esferas da vida das pessoas em sua incansável busca pela descomplicação e agradabilidade.

 

 

Rafael Orlandini

Publicitário formado pela ECA-USP e especialista em Cultura Material & Consumo: perspectivas semiopsicanalíticas pela ECA-USP, mestrando do PPGCOM-USP e analista de pesquisa da Casa Semio.

Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.