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O Futuro é Agora

Publicado em

15/09/2021 07h00

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As mudanças climáticas observadas planeta afora são sinais claros de que a humanidade não fez a sua parte na preservação do meio ambiente. Com o tempo reduzido para alcançar os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável até 2030, além de governos, a iniciativa privada tem mostrado sua preocupação com o ESG (Environmental, Social and Governance).

 

Muito embora figure entre os temas emergentes no meio empresarial, a sigla em inglês que indica cuidados com meio ambiente, atenção a questões sociais e boas práticas de governança, não é propriamente uma novidade. Na virada do século, desenvolvimento sustentável, responsabilidade social empresarial e governança corporativa eram assuntos presentes em debates tanto na academia quanto no mercado. Vejamos.

 

O conceito de governança corporativa surge com o desenvolvimento do mercado de capital, ainda na primeira metade do século XX, e da necessidade de mecanismos de regulação que garantissem os interesses dos acionistas em uma complexa estrutura de gestão e controle empresarial, ainda que o termo tenha sido moldado apenas nos anos 1990 e, partir de então, se disseminado.

 

Para além do modelo neoliberal, estudos organizacionais de natureza sociológica originaram uma abordagem distinta de governança, na qual os interesses de todos os stakeholders são considerados. Nesta perspectiva, origina-se o conceito de sustentabilidade do negócio que se amplia, abarcando as dimensões econômica, social e ambiental do desenvolvimento sustentável, o triple bottom line proposto por John Elkington (1997).

 

Entretanto, a dimensão ambiental já despontara como inquietação na década de 1970, na Conferência das Nações Unidas, realizada em Estocolmo. Em 1987, a Comissão Mundial, no reconhecido Relatório Brundtland, define desenvolvimento sustentável e chama atenção para uma revisão urgente dos padrões de produção e consumo que visem “Nosso Futuro em Comum”. A Rio-92 amplifica o debate e desperta organizações governamentais e não-governamentais para sua responsabilidade ambiental e questões a ela relacionadas – Agenda 21, políticas ambientais, sistema de gestão ambiental, eco eficiência, marcas verdes ou ecologicamente corretas.

 

As organizações avançam em direção a responsabilidade social a partir dos anos 1950, transpondo a concepção de filantropia ao considerar que devem não apenas responder às demandas sociais com vista à sobrevivência e adaptação ao entorno, mas abarcar os objetivos sociais no âmbito do negócio, integrando-a ao conceito de desenvolvimento sustentável.

 

Neste contexto, de um capitalismo inclusivo e sustentável, os princípios da governança corporativa – simetria de informações, minimização dos conflitos de interesse e preocupação com a reputação organizacional – direcionam as práticas organizacionais e evidenciam a comunicação como fator estratégico na gestão, tendo em vista a relevância da interação com os stakeholders na redução de risco de crises advindas de sua oposição a objetivos e decisões organizacionais. Ainda que considerar os objetivos destes públicos, seus interesses e demandas não seja tarefa fácil, as organizações tendem à tomada de decisão mais assertiva quando os ouvem ao invés de persuadi-los a aceitar uma resolução.

 

Contudo, ao longo das décadas em que se observa a evolução do debate sobre sustentabilidade e suas dimensões,as organizações de fato avançaram na relação com seus públicos, incorporando os interesses desses grupos para uma atuação socioambiental para além de suas narrativas? Como a comunicação tem atuado? Como agente que viabiliza a consciência ambiental em âmbito organizacional e seu entorno?

 

Ao invés de repostas farei algumas considerações que, espero, possam contribuir com a reflexão de cada leitor sobre as possibilidades efetivas de ação e mudança. Tomo como referência o estudo realizado por Newig et al (2013) quanto ao papel da comunicação no enfrentamento dos desafios impostos pela sustentabilidade. Os autores discorrem acerca da eficácia do processo comunicação e de sua premência para o debate do desenvolvimento sustentável e da construção de um consenso entre os atores sociais a respeito da tomada de ação necessária à sua implementação – Comunicação para a Sustentabilidade (Communication for Sustentability – CfS).

 

Segundo eles, a Comunicação para a Sustentabilidade (Communication for Sustentability) pode ser tipificada do ponto de vista do processo, o que significa entender como ocorre. Deste aspecto resultam a Comunicação sobre Sustentabilidade (Communication about Sustentability – CaS) – deliberativa, horizontal e polifônica – e Comunicação de Sustentabilidade (Communication of Sustentability – CoS) – unidirecional, emissor-receptor, um para muitos. Em um segundo enfoque, a comunicação pode ser compreendida a partir dos objetivos perseguidos pelos atores com o estabelecimento das diferentes estruturas comunicacionais.

 

Assim, alguns percursos apresentam-se à Comunicação no âmbito da Sustentabilidade como decorrência do perfil organizacional: informação e educação, engajamento e ação social ou defesa organizacional. As organizações que genuinamente se dedicam a implantar práticas de ESG não podem se afastar da Comunicação sobre Sustentabilidade, orientada tanto pelos objetivos organizacionais quanto pelas demandas sociais. A legitimação de práticas organizacionais não é mais uma opção, não há tempo a perder.

 

Valéria de Siqueira Castro Lopes

Doutora em Ciências da Comunicação e Mestre em Comunicação para o Mercado pela Escola de Comunicações e Artes – ECA-USP. É consultora na área de planejamento estratégico e pesquisa. Coordenadora e professora do Curso de Graduação em Relações Públicas da ECA-USP, é também docente do Curso de Relações Públicas da Faculdade Cásper Líbero. No âmbito da pós-graduação compõe o corpo docente do curso Gestão Estratégica em Comunicação Organizacional e Relações Públicas – GESTCORP/ECA-USP, MBA em Negócios e MBA em Marketing do Instituto Pecege/ESALQ-USP. Pesquisadora do tema avaliação e mensuração de resultados em Comunicação, é membro do Conselho Editorial da Revista Brasileira de Pesquisa em Comunicação Organizacional e Relações Públicas – Organicom.

Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.