Mobilidade, Escapismo e Publicidade de final de ano

Publicado em

13/01/2021 08h00

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Artigo

 

Caminhar livre, leve e solto… Descobrir o mundo, que (supostamente) está de portas abertas com pessoas, culturas e lugares extraordinários… Muitas promessas semelhantes a essas podem ser associadas ao que é chamado academicamente de “cultura da mobilidade”, e que tem como premissa a supervalorização do movimento e de suas possibilidades no cotidiano contemporâneo. Um exemplo prático é o intenso e constante transitar de pessoas, ideias e produtos pelo mundo, com significados relacionados à renovação, atualização e transformação a partir do contato, acesso e consumo de um leque amplo de experiências. Trata-se de uma premissa sedutora e atraente, sem dúvida, que se transformou em um estilo de vida desejado na contemporaneidade.

 

Pensar na mobilidade remete à nossa própria existência, desde o início: a liberdade e a individualidade, desejadas desde o corte do cordão umbilical e os primeiros passos, ainda no ambiente doméstico e familiar, e que vão se expandindo física e emocionalmente ao longo do tempo.  Neste processo de descoberta, saímos de uma bolha íntima, mais familiar, passando gradativamente a ter contato e dialogar com visões e concretudes de mundo as mais variadas.

 

O ano de 2021 se inicia com a continuidade de mensagens restritivas em relação ao movimento e ao estímulo ao distanciamento social, em âmbito global. “Fique em casa” foi uma das frases que definiram 2020.  Não é de se espantar as dificuldades que muitas pessoas tiveram para lidar com estas regras (importantes e necessárias) por um longo período, sem prazo certo para terminar. O impedimento ao livre direito de ir e vir e, portanto, movimentar-se de forma autônoma, pode ser considerado uma das piores restrições impostas ao ser humano – não é à toa que o encarceramento é uma pena aplicada judicialmente a criminosos, por exemplo.

 

Neste sentido, a mobilidade física (um dos três tipos de mobilidade) foi a mais impactada num primeiro momento, com o espaço da casa ou do quarteirão como limites máximos para muitas pessoas – ou seja, o “mundo” de cada um ficou menor.

 

Com isso, o segundo tipo de mobilidade (a informacional-virtual) foi impulsionada imediatamente, com uma explosão de lives, videochamadas, aplicativos de comunicação instantânea e utilização das múltiplas telas como um recurso para se manter ativo e conectado. Quantas reuniões de trabalho ou de grupos de amigos, aulas, atividades físicas e terapias não foram realizadas de forma mediada como única alternativa possível, ampliando espaços ao criar territórios de informação, comunicação e afetividade?

 

Mas, no encerrar do ano, surge com força o terceiro tipo de mobilidade, sobretudo na publicidade: a possibilidade humana de movimentar-se com o uso da imaginação e do pensamento, que chamaremos aqui de mobilidade escapista. Com ela, podemos nos distanciar e vivenciar situações, lugares e tempos muito mais agradáveis, passados ou futuros. Algo que parece adequado a um período do ano cheio de retrospectivas, checagem de planos concretizados e frustrados e desejos futuros.

 

E o escapismo envolveu a comunicação das marcas no final do ano, em contraste com as campanhas de conscientização e que apontavam os riscos da pandemia, que foram as mensagens que deram o tom do ano. Nas imagens veiculadas nas mensagens natalinas, o edulcorado, o lúdico e a positividade surgiram com força, trazendo a realização de sonhos singelos e prosaicos em outros tempos, como ter os familiares presentes nas festas e poder abraçá-los (“Neste Natal, o melhor presente é estarmos juntos” – Coca-Cola). Mas também trouxeram desejos universais, como o desejo por um mundo com menos desigualdade, mais solidário e empático (“Sonho de um mundo mais bonito. Não deixe de sonhar” – Natura). A estratégia de mensagens natalinas positivas não é original, mas seus significados diante do contexto atual são certamente potencializados.

 

Mesmo que seja de forma ficcional, com o uso de animações, metáforas visuais e efeitos especiais, essas mensagens publicitárias trouxeram alento e um respiro mais que necessário e desejável num momento de renovação do calendário e, principalmente, de esperanças.

 

 

Silvio Koiti Sato

Doutor e mestre em Ciências da Comunicação pela ECA USP. Publicitário formado pela ESPM. Pesquisador junto ao GESC3 – Grupo de Estudos Semióticos em Comunicação, Cultura e Consumo – ECA USP. Professor da ESPM e da FAAP. Sócio fundador da Casa Semio.

Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.