Meio, mensagem, linguagem e conteúdo na publicidade

Publicado em

20/10/2021 12h00

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Os meios de comunicação como extensão do homem, obra emblemática de Marshall McLuhan, publicada em 1964, é um daqueles livros que todo mundo conhece, mas quase ninguém leu. Basta dizer que “o meio é a mensagem” e, pronto, fica parecendo que você é um verdadeiro especialista no assunto… mas em qual assunto? Comunicação? Mídia? Tecnologia? Sim, tudo isso – e muito mais! Ler McLuhan é um desafio tremendo, porque por trás da concretude e da objetividade de seu texto, reside um pensamento complexo, uma fina maneira de compreender os meios de comunicação e a rara possibilidade de se refletir sobre algo que é tão central e relevante no contexto atual: a comunicação digital e, por essa a gente não esperava, a publicidade.

 

Quando diz que o meio é a mensagem, McLuhan não está apenas tratando da evidente relação que existe entre os meios e as mensagens, aqueles determinando ou condicionando estas, por exemplo. Isso é subestimar o livro. O que o autor nos mostra é que, ao largo do conteúdo que veicula, todo meio transmite uma mensagem, esta sim com grande potencial de transformação na sociedade e na cultura. Mas o que se está chamando de mensagem? “A mensagem de qualquer meio ou tecnologia é a mudança de escala, cadência ou padrão que esse meio ou tecnologia introduz nas coisas humanas”. Ao fazer tal afirmação, McLuhan nos convida a assumir um olhar que transpasse a concretude opaca dos conteúdos e alcance a dimensão fugidia e poderosa da mensagem produzida pelo meio. Não está no conteúdo dos meios a sua imensa potência de influenciar nossa forma de compreender a realidade, como pode parecer atualmente se olharmos as transformações sociais que têm ocorrido por efeito dos meios e das tecnologias digitais. Essa potência transformadora está na mensagem que esses meios transmitem, está na linguagem. Só que isso não é fácil de se perceber, até porque, “não deixa de ser bastante típico que o ‘conteúdo’ de qualquer meio nos cegue para a natureza desse mesmo meio”.

 

Essa cegueira frente à linguagem – a natureza de qualquer meio a que se refere o autor – provocada pela ofuscação do conteúdo é o achado-chave para entendermos qual deve ser o pensamento e o ponto de vista mais rentáveis na defesa e na produção de uma publicidade efetivamente capaz de transformar a sociedade em que vivemos. É somente compreendendo a comunicação publicitária a partir da sua natureza sígnica – de linguagem, portanto – que poderemos efetivamente criticar o papel que ela desempenha atualmente e viabilizar atuações menos nocivas e mais edificantes. Quem acha que a propaganda vai ser melhor e mais engajada em causas públicas quanto mais ela trouxer para o seu conteúdo as questões políticas emergentes de nosso tempo corre o sério risco de trabalhar em função daquilo que pensa estar combatendo. Vejamos o alerta lancinante de McLuhan: “aqueles que passam suas vidas protestando contra os ‘falsos e enganosos textos publicitários’ são sempre bem-vindos aos anunciantes”. Isso porque acabam se concentrando nos conteúdos – que podem variar enormemente, mas jamais sem perseguir a venda, o consumo, o lucro e tudo o mais de nefasto que a isso possa estar atrelado e disfarçado –, deixando de enxergar a dimensão em que de fato pode estar o poder transformador – e, se a gente não cuidar, destruidor – da publicidade: como se sabe, a linguagem. Nesse sentido, precisamos compreender a gramática da publicidade. Precisamos compreender como ela, em sua intrincada rede sígnica, plasmada hoje em dia sobre os meios digitais, se faz articuladora da mente humana e construtora de novos valores.

 

McLuhan sabia das coisas e ainda tem muito a nos ensinar.

 

 

Bruno Pompeu

Publicitário formado pela ECA-USP, doutor e mestre em Ciências da Comunicação pelo PPGCOM-USP, professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Universidade de Sorocaba (Uniso) e dos cursos de publicidade da ECA-USP e da ESPM-SP. Sócio-fundador da Casa Semio. brupompeu@gmail.com

Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.