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Financiar o Jornalismo é garantir a democracia

Publicado em

30/12/2021 09h00

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A grave crise sanitária global enfrentada desde 2020 veio mostrar à humanidade que o conhecimento científico salva vidas e que o Jornalismo é essencial às sociedades democráticas. Não se trata de mera opinião. Graças aos cientistas – e a ação política dos governos que optaram pelo bom senso no trato da pandemia -, as nações conseguiram evitar milhares de mortes em decorrência do novo coronavírus. E graças ao Jornalismo, a população pode compreender a importância da ciência, das medidas necessárias para conter o avanço da Covid-19 e da necessidade de cobrar as autoridades displicentes com a vida. Claro que há uma parcela significativa da população mundial que preferiu – e vai continuar preferindo – acreditar em “fatos alternativos”.

 

O Jornalismo é, por excelência, a ferramenta mais potente que a sociedade dispõe para fiscalizar governos, políticos, empresas e empresários, além de investigar e pressionar entidades e instituições, em defesa do interesse público. Produzir jornalismo de qualidade custa caro e o financiamento é cada vez mais escasso. Faltam recursos para remunerar os profissionais de forma justa, manter a estrutura administrativa, investir em equipamentos e em tecnologia. O modelo de negócios do Jornalismo está em crise, cresce assustadoramente a desinformação em massa, patrocinada e abundante nas grandes plataformas digitais.

 

Não à toa, a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) acompanha com muita preocupação os debates sobre o poder e a influência das grandes plataformas digitais na destruição da democracia e na apropriação indevida e, às vezes criminosa, dos dados pessoais de milhões de pessoas ao redor do mundo. As principais plataformas – Google, Amazon, Facebook, Apple e Microsoft – constituem hoje grandes monopólios de comunicação de massa, que detêm o poder de influenciar a política, a economia, a organização social e a cultura dos países.

 

As “big techs” dominam o fluxo da informação e, pela legislação brasileira, são consideradas empresas de tecnologia e não de comunicação. Seu modelo de negócio destrói as empresas do segmento da comunicação. O setor mais atingido, até o momento, é o de jornais e revistas impressos. Isto porque as plataformas se apropriam gratuitamente do trabalho jornalístico, usado para expandir a sua audiência, solapam as empresas pela derrubada da circulação paga e drenam as verbas publicitárias. Com isso, a sustentação econômica da atividade jornalística é totalmente minada aqui e alhures.

 

Como atividade essencial à democracia, o Jornalismo vem sendo esvaziado, nos últimos anos, pela falta de investimentos financeiros. A pulverização da publicidade e a sua forte migração para as grandes plataformas digitais provocou o fechamento de centenas de veículos de comunicação, o esvaziamento de redações e as demissões de milhares de profissionais (que migram para a informalidade ou para outras carreiras), com a consequente perda de qualidade na produção jornalística e a redução da diversidade e da pluralidade da informação.

 

Em menos de dois anos, três versões brasileiras de grandes veículos internacionais fecharam as portas por aqui: antes do El País, o BuzzFeed News e o Huffpost já haviam deixado o Brasil em 2020. Uma redação que se fecha equivale a centenas de vozes que se calam, abrindo mais um flanco na instituição imprensa, em um dos pilares do estado democrático. Sem falar na deterioração do mercado de trabalho: segundo o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), entre 2010 e 2019, o jornalismo brasileiro perdeu 5.322 empregos formais.

 

Para a FENAJ, é urgente a adoção de medidas, no âmbito político, que possam proteger e revigorar os meios de produção e de suporte ao jornalismo. Neste sentido, a entidade propõe a taxação das grandes plataformas digitais, por meio da criação de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide-Digital), com a destinação dos recursos atrelada ao Fundo Nacional de Apoio e Fomento ao Jornalismo (Funajor). O fundo público tem o objetivo de financiar programas de Jornalismo, de capacitação dos trabalhadores, de fomento às atividades de jornalismo independente e de proteção aos direitos dos profissionais da mídia.  Trata-se de uma proposta ousada, porém necessária. Para o Jornalismo e para a democracia.

 

Samira de Castro

2ª Vice-presidenta da FENAJ