Entrevistas

Entrevista com a especialista em Recursos Humanos e Desenvolvimento Organizacional Viviana Menezes

Publicado em

20/05/2022 08h00

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A sintonia entre o cliente, o produto e os colaboradores é uma das soluções que as organizações perceberam para o sucesso do negócio. Pensando nisso, é necessário que o time se sinta um pouco responsável pelo sucesso da empresa e se preocupe com o seu ótimo desempenho. Assim, o endomarketing é a palavra da vez quando se trata da aproximação entre as áreas de Marketing e Gestão de Pessoas nas empresas. A professora Viviana Menezes Costa, da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), concedeu entrevista para o Nosso Meio compartilhando suas análises sobre a evolução da área de Recursos Humanos e as perspectivas sobre a atuação colaborativa entre setores de Marketing, Comunicação e Gestão de Pessoas nas organizações. Confira na íntegra:

1) Endomarketing é a palavra da vez quando se trata da união entre marketing e recursos humanos. Como especialista, como definir esse conceito?

Na verdade, o endomarketing é uma estratégia conjunta entre o marketing e os recursos humanos, na qual os funcionários são os clientes internos.  Assim como a empresa procura satisfazer seus clientes externos, no endomarketing os clientes internos precisam ter suas necessidades e desejos atendidos, toda a estratégia é focada em desenvolver o capital humano da empresa.  No endomarketing utilizamos estratégias mercadológicas para manter os funcionários satisfeitos e, portanto, gerar engajamento. O Marketing procura construir uma marca empregadora forte e o RH identifica os desejos dos colaboradores, focando na jornada dos colaboradores. Entenda que os colaboradores irão falar sobre você por aí, logo, é essencial ter uma experiência positiva. O engajamento dos funcionários é uma relação emocional entre empresa e cliente interno, resultando em maior produtividade. Vários objetivos são compartilhados em ambos os setores, melhorar a motivação dos funcionários, menor rotatividade, redução do absenteísmo, despertar o senso de equipe, enfim, tornar o ambiente de trabalho mais harmônico e consequentemente, gerar melhores resultados. E claro, com muito planejamento. 

Um grande exemplo é a Netflix que investiu na qualidade de vida dos seus funcionários e que aplica um programa de licença parental, para o primeiro ano dos pais. A estratégia foi tão positiva que os próprios funcionários começaram a divulgar e cederam os direitos de imagem para as campanhas da empresa. Isto é o que chamamos de “employer branding”. O próprio funcionário passa a ser o advogado da marca. Outras ações como, descobrir talentos, realização de workshops e comemorações podem ser pensadas e divulgadas.  

O endomarketing é mais do que promover eventos, não pode ser utilizado para encobrir a falta ou ineficiência de uma gestão de pessoas. Ressalto ainda que todo o plano de endomarketing deve ser alinhado a toda a gestão da empresa. A equipe de liderança tem impacto no engajamento dos funcionários, portanto, cuide das metas de seus funcionários, que eles atingirão as metas da empresa. É papel dos gestores propagar a cultura da empresa através de suas ações. Entra aqui, um outro componente fundamental do endomarketing, a comunicação.  Nada adianta ter fixado um propósito e este não ser divulgado. A comunicação pode ser efetivada através de várias técnicas; vídeos, informativos, storytelling, dentre outras. Durante todo o processo, escute as opiniões e feedbacks dos colaboradores e assim será possível usar estratégias mais assertivas. Manter o colaborador engajado, comprometido e informado é um desafio contínuo dentro das empresas.

2) A adequação do RH frente às inovações tecnológicas é o que chamamos de RH 4.0. Você enxerga esse modelo sendo aplicado no Brasil? Qual sua análise para o caso brasileiro?

A evolução tecnológica mudou todo o ambiente empresarial, pensando bem, o mundo. Uma gestão integrada e estratégica é exigida neste cenário de redução de recursos e tempo. O RH não poderia ficar fora dela, softwares foram desenvolvidos para facilitar o processo e com ele, veio também, a necessidade de uma consciência digital nos colaboradores. Atividades manuais foram digitalizadas e o RH 4.0, otimizou o tempo de seus gestores. Imagine recrutar com plataformas digitais, arquivos em nuvens e decidir com base em KPIs?

Na era do conhecimento, o indivíduo é o principal diferencial competitivo das empresas. Vimos que as relações de trabalho passaram por várias transformações nos últimos anos. Hoje os profissionais querem fazer parte do negócio e a gestão deve ser mais humanizada, conciliando vida pessoal e profissional. Investir em tecnologia contribui com este quadro, quando o RH passa a ter mais tempo para se dedicar as pessoas.

O setor de RH se transforma a cada dia, recursos de Big Data, Inteligência artificial fazem parte de sua rotina de trabalho. A tecnologia veio para reinventar o RH, o funcionário é o cliente e a empresa deve ter uma marca empregadora consolidada. O RH agiliza seus processos como apoio das ferramentas digitais e se torna mais estratégico nas empresas. A abordagem é sistêmica com melhorias contínuas. Suas decisões são mais assertivas e baseadas em dados.  A análise de dados torna os processos mais econômicos e ágeis, atrativos, seletivos e facilitam a tomada de decisão.

O fator que atualiza o RH é o mesmo que desafia as nossas empresas. A resistência à tecnologia é uma realidade no Brasil. Apesar da geração digital estar no mercado, os dirigentes ainda são avessos a ela. Existe o medo, embora um pouco real, que as máquinas substituam os profissionais. A falta de suporte e de estímulos faz com que a frustração seja aflorada, o que diminui o engajamento e aumenta o turnover. Nossas empresas ainda são tradicionais e romper esta cultura leva algum tempo. Ainda estamos contratando de modo errado e limitando as pessoas. Acredito que estamos começando com pequenos passos. E acompanhar os resultados fará com que mais empresas se contagie.

 

Outro aspecto que vivenciamos nas nossas empresas é a preocupação excessiva com a produtividade e esquecimento de treinamentos. Procurar equilibrar esta equação é preciso.

Devemos aceitar que a Inteligência Artificial veio para otimizar o processo seletivo. O Big Data é um aliado, fornecendo informações importantes para a tomada de decisão.   Aos poucos, alguns procedimentos estão sendo digitalizados, cadastro de funcionários, recebimentos de currículos, processos de recrutamento, fluxos de trabalho em RH, dentre outros. E assim, gestores e o RH podem ter uma visão mais abrangente da empresa como um todo.

3) Atração, Recrutamento e Seleção compõem a principal atividade da área de RH. Ao longo do tempo, quais outras atribuições foram incorporadas você destacaria como essenciais para o sucesso de uma empresa?

Precisamos olhar e avaliar todo o ciclo de vida do colaborador, desde a atração ao seu desligamento. Hoje as ações mais desafiadoras da Gestão de Pessoas são o engajamento e a retenção de talentos.  Precisamos trabalhar diariamente para aumentar e potencializar o engajamento dos funcionários. O momento do processo seletivo é essencial para avaliar a percepção sobre a marca. Como posso encantar as pessoas, mesmo que não sejam contratadas? O recrutamento deve ter uma comunicação clara, transparente e respeitosa com todos os candidatos.  A integração é o primeiro passo para criar a relação de pertencimento. Imagine você ser recebido pelo mais alto escalão da empresa, ou receber com antecedência, um cartão de boas-vindas ao novo emprego. A experiência será totalmente inesquecível. Até mesmo o desligamento deve ser pensado como mais um momento positivo para o funcionário. 

Profissionais de RH devem trabalhar com a emoção das pessoas, principalmente neste momento pós pandemia. Conforme a OMS, a pandemia floresceu a sensação de esgotamento mental, casos de ansiedade cresceram e tivemos uma piora na saúde mental. Portanto, a preocupação com o bem-estar mental dos funcionários é vital. Os funcionários estão à procura de empresas que apoiam a saúde física e mental de seus colaboradores. Ter a preocupação de encantar as pessoas e criar valor para elas.  Pesquisas relatam que hoje os candidatos escolhem onde querem trabalhar de acordo com o propósito da empresa. Toda a equipe deve estar alinhada à cultura organizacional da empresa e ser trabalhada de modo contínuo. É essencial a empresa estar aberta à transformação cultural.

Com a tecnologia, temos software de recrutamento e seleção, comunicação integrada, relatórios mais ágeis etc. O RH tem uma atuação mais estratégica, prioriza a gestão da marca empregadora, e a empresa atrai melhores profissionais. RH agora possui mais ferramentas para ir ao encontro do consumidor 4.0 que demanda uma experiência positiva. E, conquistar um relacionamento a longo prazo.

Outro aspecto importante a ser pensado pelo gestor de RH é o investimento em treinamentos, não apenas para o novo funcionário, mas pensar na reciclagem. Agora dentro de uma outra realidade, gamificação, projetos e muita tecnologia.

4) Hoje percebemos a gestão de pessoas e o marketing lado a lado nas decisões estratégias dos negócios, muitas vezes com representatividade de cadeira em Conselhos administrativos. Quais os benefícios dessa integração com os executivos?

Um dos grandes reflexos de todas as mudanças ocorridas é que a gestão de pessoas é, a exemplo de outras áreas, mais voltada para os resultados. Logo, o maior benefício é ter o processo de gestão de pessoas conectado à estratégia do negócio. O RH é um propulsor do alcance de metas das empresas através de estratégias inovadoras de gestão de pessoas.

Os executivos definem a cultura das empresas e juntos, marketing e RH determinam estratégias para comunicar e ecoar esta cultura. Atentos para reduzir ruídos de comunicação e fomentar ações para a melhoria do clima organizacional. Hoje as empresas que se propõem a envolver o time nas decisões se mostram mais competitivas. O endomarketing passa a ser um valioso instrumento de gestão.

Podemos citar benefícios voltados à contratação de candidatos mais alinhados com a empresa, consequentemente mais produtivos e engajados para contribuírem com o sucesso da empresa. O desenvolvimento dos colaboradores impacta diretamente no resultado da empresa. O que reflete na percepção que o mercado de trabalho tem da empresa. A visão do público interno de uma empresa influencia na visão dos clientes externos.

Outro aspecto seria voltado à visão de uma empresa mais inovadora, pessoas mais qualificadas e capazes de correr riscos.

5) Preparar lideranças e preencher gaps de competências é um dos maiores desafios dos RH. Quais são os outros gargalos da área, na sua avaliação?

Além de suporte à direção das empresas, RH hoje é parte integrante da gestão estratégica da empresa como um todo. Para resolver os gargalos da área é preciso ter uma gestão estratégica muito analítica. As competências das empresas são singulares e devem descrever a sua cultura. A exemplo de atendimento de qualidade, inovação e trabalho em time. Tais tendências, exige lideranças voltadas à humanização de ações e necessidades de otimização das soft skills.

A falta de preparação de lideranças é o início de tudo, o conceito de liderança mudou. O RH deve preparar as lideranças, atuais e a serem contratadas, para garantir a conexão entre a fala e a execução, envolver e dar autonomia aos times, fortalecer e propagar a cultura organizacional. O grande papel da liderança é construir um ambiente desafiador, criativo que possibilite crescimento e aprendizado e ao mesmo tempo gere resultados. 

Com o advento do trabalho flexível, a liderança através de uma gestão remota necessita de uma análise de informações e tomada de decisões mais assertivas. A liderança é fundamental para motivar seus colaboradores e impulsionar a missão da empresa. 

Além das atribuições citadas referente a gargalos vinculados a liderança, podemos citar:

 

RH ainda operacionais: a transição para o RH estratégico exige tempo, dedicação e uso de ferramentas.

Profissionais desqualificados: as competências exigidas atualmente devem valorizar os funcionários e acompanhar a transformação digital. Para isso, podemos citar algumas competências, sentido crítico, flexibilidade, resiliência, foco nas pessoas, busca de inovação.

Burocracia excessiva: o RH é chamado de setor burocrático, arquivar registros de entrada e saída, currículos e muitas empresas ainda usam arquivos físicos.

Comunicação interna deficiente: os funcionários demandam troca de informações precisas e frequentes. 

Falta de treinamentos: o RH precisa investir nesse sentido e o gestor deve aprovar.

Pouco investimento em tecnologia: o RH precisa aprimorar seus processos e ganhar tempo e recursos.

 

6) Por fim, quais os desafios do RH do futuro, na sua opinião?

O grande desafio é ter a capacidade de se moldar às mudanças do mercado, na velocidade exigida. O profissional de RH precisa desenvolver uma nova percepção do processo de gestão de pessoas: Os colaboradores querem ser partes e se sentirem integrantes da empresa. Para além dos controles, reter talentos, ter uma comunicação transparente e efetiva, fomentar conexões entre os propósitos pessoais e empresariais, garantir a diversidade e não esquecer de implementar novas tecnologias são competências desafiadoras. Entretanto, o fator humano é decisivo neste processo de mudanças e a geração atual quer ser feliz, o bem-estar vem em primeiro lugar.

 

O mundo exige empresas mais humanizadas, enxergar o lado humano do indivíduo, cheio de limitações e potenciais. E o RH deve criar estratégias para preparar as lideranças para uma gestão mais eficaz.

 

Viviana Menezes Costa é mestre em Administração pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), pós-graduada em Consultoria Empresarial, graduada em Administração (UNIFOR) e em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Acumula mais de 30 anos de experiência profissional na área de consultoria empresarial e treinamentos, com foco no estímulo ao empreendedorismo e no desenvolvimento sustentável dos negócios. Atualmente é professora da Universidade de Fortaleza nos Cursos de Administração de Empresas e Marketing. É também consultora, atuando principalmente nas áreas de Recursos Humanos, Desenvolvimento Organizacional, Marketing e Planejamento Estratégico.