Ciberpublicidade: o que é, de que se alimenta, como se reproduz?

Publicado em

03/03/2021 15h13

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Artigo

 

Grande parte das transformações que o mundo vive se deve às tecnologias, que reconfiguram as práticas sociais com promessas (positivas) e ameaças (negativas). Diz o senso comum que as tecnologias não são em si mesmas nem boas, nem ruins, e sim “neutras”: tudo depende de como são usadas. Afinal, a culpa do assassinato é da faca? Esta é a concepção instrumentalista da tecnologia, como nos ensina Liliana da Escóssia (1999).

 

Por outro lado – e sempre existe um outro lado para quem busca compreender melhor a realidade –, o surgimento de uma nova tecnologia afeta a nossa maneira de abordarmos o real. Assim, reconfigura as práticas sociais e simbólicas, portanto não seria “neutra”. Esta é a concepção antiinstrumentalista.

 

Dito isto, vamos olhar para a Publicidade. Há pelo menos duas décadas, a Publicidade vem incorporando as novas tecnologias nos modos pelos quais ela promove os contatos entre as marcas e os consumidores. Numa sociedade cada vez mais mapeada e administrada numericamente por Big Data e algoritmos, e na qual todo tipo de interação constitui um valor em si mesmo, a Publicidade obviamente não ficaria de fora. As pesquisas de mercado se tornaram permanentes e capilarizadas, chegando ao extremo de detectar suaves nuances comportamentais dos consumidores. Os meios digitais são elementos privilegiados para este tipo de mapeamento infinito.

 

O planejamento de campanhas e ações publicitárias também passa a ser constante e modulável, conforme os resultados que vai encontrando. A tecnologia cibernética integrou mais ainda a pesquisa e o planejamento. Na criação, é preciso envolver os consumidores em um diálogo frenético e interminável, dando-lhes oportunidades e motivos para interagirem o máximo possível (storytelling e branded content). A cultura da interação já ganhou os corações dos consumidores, a Publicidade só precisava aprender a explorar isto (inbound marketing).

 

Este modelo, que chamamos de Ciberpublicidade no ReC, é apenas mais uma das muitas tentativas de entendermos o que a Publicidade está deixando de ser; o que ela está se tornando. É um questionamento ontológico, ou seja, sobre o ser mesmo da Publicidade. A resposta provisória possível é, na verdade, recusarmos falar de qualquer essencialização da Publicidade, e olharmos para o que ela “está sendo”.

 

A Ciberpublicidade se alimenta de dados, muitos dados. Todo movimento do consumidor, por minúsculo que seja, é registrado digitalmente e alimenta o Big Data, para posterior tratamento algorítmico e tomadas de decisões por parte das marcas e suas agências. É exatamente assim, se alimentando dos dados dos consumidores em tempo real, que a Ciberpublicidade se reproduz, cresce e amplia suas áreas de atuação.

 

Ao se espraiar por toda a sociedade e misturar-se à cultura, a Ciberpublicidade parece invisibilizar a sua presença – lembre-se de que ela não é nada além de Publicidade. Paradoxalmente, ela se torna mais efetiva quanto menos ela se parece com a Publicidade tradicional. E ao se espraiar discretamente por quase todas as instâncias da vida, ela parece querer se confundir com a própria vida, ao ponto de indiferenciarmos Publicidade (que precisa administrar e controlar) e vida (que precisa de espontaneidade, para não nos sufocar).

 

 

Guilherme Nery Atem

Professor na Universidade Federal Fluminense. Tem experiência na área de Comunicação Social, com ênfase em Filosofia e Teoria da Comunicação, atuando principalmente nos seguintes temas: filosofia, semiótica e teorias da linguagem, análise do discurso, publicidade e propaganda, linguagem publicitária. Colaborador esporádico da Casa Semio (SP). 

Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.