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Brasil entre os países onde todos os diretores de redação dos veículos de maior audiência são brancos

Publicado em

27/03/2021 10h00

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Mesmo em um ano marcado pelo aumento da consciência sobre o desafio da diversidade desencadeado pelo movimento BLM, a presença de não brancos em cargos de liderança nas redações não aumentou, demonstrando o desafio da inclusão racial

 

Reconhecido por sua diversidade racial, o Brasil não tem feito jus à herança de país formado pela miscigenação das mais variadas raças e etnias em um estudo mostrando a participação de  não brancos no comando das principais redações de cinco países. Relatório divulgado no dia 21 de março pelo Instituto Reuters para estudos do Jornalismo na Universidade de Oxford mostra o país ao lado de Reino Unido e Alemanha como um dos três únicos sem qualquer diretor de redação não branco nos veículos com maior audiência.

 

A data escolhida pelo Instituto para publicar seu novo trabalho coincide com o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, criado pela ONU em alusão ao Massacre de Sharpeville, na África do Sul, em 1960. As 69 vítimas fuziladas pelo Exército protestavam contra a obrigatoriedade de usar um passe indicando locais a que podiam ter acesso.

 

Jornalistas não brancos não precisam de passes para ocupar espaço nas redações, com várias delas tendo adotado programas de inclusão recentemente. E os exemplos de brilhantes profissionais de diferentes raças e etnias são a prova. Mas isso não significa que eles consigam chegar facilmente aos “aquários” dos grandes veículos, parecendo haver necessidade de um “passe invisível” para acessar os cargos de comando no topo do jornalismo.

 

Percentual de diretores de redação não brancos caiu de 18% para 15%

Em comparação ao ano passado, a participação de chefes de redação não brancos caiu de 18% para 15% na amostra de 100 veículos (vinte de cada país) examinada pelo Instituto no Brasil, África do Sul, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos.

O trabalho comparou a presença dos diretores de redação negros a dados demográficos e a índices de diversidade no jornalismo. O percentual de 15% de não brancos entre os 80 diretores de redação (alguns acumulam cargos) que lideram os 100 veículos pesquisados, é bem menor do que o índice de 42% dos não brancos na população combinada dos cinco países.

A representatividade no topo é também inferior ao percentual do total de jornalistas não brancos dos quatro países onde há estatísticas disponíveis (excetuando-se a Alemanha, por razões legais), que é de 21%.

AÁfrica do Sul concentra a maioria dos líderes de redação não brancos, mas viu a taxa cair de 68% em 2020 para 60% em 2021. Nos Estados Unidos, há mais um diretor de redação não branco em relação ao ano passado.

“Os brancos estão significativamente super-representados entre os diretores de redação em todos os cinco países, e os não brancos estão significativamente sub-representados”, diz o relatório.

 

Diretores de redação não brancos nos 20 veículos brasileiros analisados caiu de um para zero

O  Brasil contribuiu para a queda da representatividade dos diretores de redação não brancos aos perder seu único representante identificado na edição de 2020, que traz na capa três exemplos de jornalistas negros em posição de comando.

O resultado do Brasil equivalente ao da Alemanha e Reino Unido, dois países de população predominantemente branca, reflete as conhecidas desigualdades históricas que as políticas inclusivas ainda não foram capazes de corrigir, pelo menos na grande imprensa. E que influenciam não apenas a carreira dos profissionais do setor, mas a visão de mundo transmitida à sociedade pela mídia de grande alcance.

 

No Brasil, proporção dos que se informam por grande veículo dirigido por não branco é zero

Segundo o Instituto, entre as pessoas que consomem notícias em meio digital, a proporção dos que disseram informar-se por pelo menos um grande veículo dirigido por um jornalista não branco é de zero no Brasil, chegando a 86% na África do Sul.

A diversidade racial não desafia apenas o jornalismo. Em junho do ano passado, a revista Forbes contabilizou apenas cinco CEOs negros na lista das empresas que apontam as 500 maiores empresas americanas.

 

Os vinte veículos brasileiros analisados

A coleta de dados sobre os líderes das redações foi feita pelo Instituto Reuters a partir de consulta às páginas oficiais, buscando-se o cargo que correspondesse ao líder principal da redação. Os dados foram checados por jornalistas e pesquisadores para confirmação. No total, 80 profissionais fizeram parte do estudo.

A amostra da cada país incluiu os 20 veículos de maior audiência, sendo 10 off-line (TV, mídia impressa e rádio) e 10 online, tomando como referência a edição 2020 do Relatório de Mídia Digital publicado pelo Instituto.

Os dez veículos off-line brasileiros de maior audiência apontados no Relatório são:  TV Globo, Record TV, SBT, TV Globo News, Rádio Band News, O Globo, TV Band News, Folha de S.Paulo, CNN e Rede TV. No online são Globo News (incluindo G1), UOL, Record (incluindo R7), O Globo, Yahoo! News, MSN News, Band News, Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo e BBC News.

89 dos veículos pesquisados são os mesmos da edição anterior

Houve pouca rotatividade em relação a 2020, segundo os pesquisadores: 89 dos veículos analisados ano passado se mantiveram entre os de maior audiência neste ano nos cinco países.

Tomando por base apenas essas organizações, o que permite uma base comparativa, foram observados 17% de chefes de redação não brancos em 2021, taxa que era de 16% em 2020.  Isso reflete uma rotatividade nos cargos, segundo a pesquisa. 

Onzenovos diretores assumiram nessas organizações, dos quais cinco não brancos. No entanto, apenas um desses não brancos assumiu a posição em um país que não fosse a África do Sul (no caso, nos Estados Unidos).

A importância prática e simbólica da diversidade nas redações

O trabalho é de autoria dos pesquisadores do Instituto Reuters Craig T. Robertson, Meera Selva (vice-diretora e responsável pelo programa de fellowship) e Rasmus Nielsen (foto), que dirige a instituição.

Os autores salientam a importância prática e simbólica da diversidade racial no comando das redações, não apenas pela liderança dos diretores de redação na tomada de decisões, mas também pela percepção do público.

Eles chamam a atenção sobre a oportunidade para examinar o que aconteceu com a diversidade no jornalismo após um ano marcado pelo aumento do debate sobre justiça racial, equidade e diversidade em muitos países:

“Em 2020, cresceu a importância do jornalismo no diálogo sobre os temas expostos pelo movimento Black Lives Matter e sobre outros relativos à diversidade racial, como racismo estrutural, desigualdades no mercado de trabalho e barreiras de acesso à saúde. Tudo isso ficou ainda mais exposto depois da pandemia do coronavírus e dos questionamentos em torno do legado do colonialismo e do imperialismo.

Há o risco de que a mídia deixe de lado fatos ou perspectivas importantes relacionadas a essas questões, em parte porque a experiência pessoal dos principais editores e sua forma de enxergar os problemas pode ser diferente daquela das comunidades mais afetadas por elas. Por isso é importante compreender quem são os principais líderes das redações.”

Os pesquisadores lembram também que, ao se concentrar nos 10 maiores off-line e online de cada país, o estudo não incluiu na amostra veículos importantes com editores não brancos, citando como exemplo o americano Miami Herald, que tem Monica Richardson, uma mulher negra, como líder da redação.

 

Confira na íntegra aqui 

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