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Baianinho quer ser CB e o que isso significa?

Publicado em

22/10/2020 11h00

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Opinião

 

Acabamos de conhecer a nova mascote das Casas Bahia, o CB. O Baianinho, nascido nos anos 70 por meio da criação da Interjob, agência interna da empresa, foi caracterizado de tal forma que explicitasse seu vínculo nordestino e ao nome da marca de varejo que se localizava em São Caetano, região do ABC paulista, local com ampla presença de migrantes nordestinos e nortistas à época. Com expressão estereotipada, chapéu de couro típico do sertão nordestino, associado aos vaqueiros e cangaceiros, as inscrições CB entrelaçadas a um coqueiro como símbolo, camiseta que deixava a barriga à mostra e sapatos abotinados, a personagem evoluiu no tempo, ainda que se mantendo infantil até este ano. De 1972 até 1985 a personagem era apresentada em preto e branco, as cores amarela e azul surgiram em 1985, manifestando o reforço dos signos cromáticos das Casas Bahia.

 

Anos depois, em 2004, o rosto da mascote passou a ser mais arredondado, os sapatos foram substituídos por tênis, tornando-se mais urbano e a camiseta deixou de mostrar a barriga de fora. Mas, o traço identitário infantil sempre prevaleceu, caracterizado pelos dentes centrais superiores típicos de um bebê, por isso, tais traços fenotípicos permitiam a associação direta da personagem a ingenuidade e ternura, próprias da infância. Já em 2006, sofreu novas atualizações, modernizando-se para dar conta da dinâmica gráfica das redes sociais e em 2009 ganhou a versão 3D.

 

A nova mascote, criada pela produtora Miagui, vem acompanhada da campanha “Quero ser grande” e uma nova missão, muito desafiadora: transformar-se em um influencer digital “que conhece de perto o Brasil e os brasileiros”, palavras de Cristian Santoro, ECD da Y&R (in: https://propmark.com.br/anunciantes/mascote-das-casas-bahia-cresce-e-vira-adolescente/) . A produtora Miagui se encarregou do redesenho e afirma que um dos objetivos é construir um personagem com características mais inclusivas, plurais e que seja identitário dos brasileiros, que permita reconhecimento como um igual, adequado ao novo posicionamento da marca “nossa casa é o Brasil e nossa causa é o brasileiro”. Mesmo antes de “crescer” o Baianinho trocou o chapéu de couro por um boné azul, mantendo a inscrição com um “B” hiperbólico, na busca da criação de um signo particular que englobe o potencial comunicativo do B de Bahia e de Brasil.

 

 

O filme de apresentação de CB intitulado “Sou o Baianinho, mas agora pode me chamar de CB”, começa com o Baianinho diante de uma loja Casas Bahia e para adentrar, retira o chapéu de couro e o carrega nas mãos, o que indicia o despojamento de sua identidade de origem regional. Com olhos maravilhados com as mudanças (explicitando o novo posicionamento da marca), o Baianinho se olha no espelho, toca no rosto, signo da concretização da realidade, e com hesitação, cresce, volta a infância e parece não satisfeito, e cresce novamente,  tornando-se um adolescente, com tipo físico bastante diferente: a pele está mais escura, o cabelo liso e maior, e magro, muito magro. Agora veste uma camiseta branca, signo máximo do desapossamento, um boné azul, ambos com o símbolo da marca e uma calça jeans. Introduz a mudança com o celular nas mãos, sugerindo um diálogo com seus seguidores nas redes e com a linguagem jovem e popular se apresenta “Fala galera, a Casas Bahia está de cara nova e eu também! Eu sou o Baianinho, mas agora pode me chamar de CB. Bora trocar aquela ideia para fazer todo mundo se sentir em casa! Vem cá, segue o CB!”. Na sequência, o CB pisca o olho direito, na sugestão de cumplicidade com a sua audiência.

 

 

Um adolescente moreno, com sardas, cabelos lisos e  desalinhados, muito magro e com vestimentas marcadamente populares, desprovidas de identidade pela generalização explícita – camiseta branca é o signo máximo da generalização – , CB perde o acolhimento do regionalismo do seu nome próprio, uma extensão da marca, que foi afetivamente construído no diminutivo, ampliando as conexões emocionais ao longo de décadas. Deixa de ser o Baianinho e vira um paulistinha da periferia? Perde a identidade regional e perde seu nome, uma vez que CB pode ser “qualquer coisa” e se considerarmos que CB é uma abreviação do nome da marca, fica ainda pior, o nome da personagem é Casas Bahia? Possivelmente, as marcas da generalização buscam uma conexão com o “brasileiro”, parte importante do novo posicionamento da marca, no entanto, atribuir essa função a uma mascote, principalmente, posicionando-a como adolescente, com todas as tensões, dúvidas e emoções galopantes próprias dessa fase da vida, é pelo menos, um grande desafio. Atribuir uma linguagem jovem, com gírias, hiperconexão e comportamentos inclusivos, social e ambientalmente responsáveis – caminhos que parece que a personagem irá percorrer – não será suficiente. No entanto, tudo é possível, mas há custos e consequências.

 

A marca Casas Bahia é singular desde os primórdios. Criada no ABC paulista, região amplamente habitada por nordestinos na época, pelo desejo inventivo de Samuel Klein, imigrante polonês, judeu, naturalizado brasileiro; assim, o local, o regional e o global estão na sua origem. O que vemos nessa trajetória de décadas é que o nome Casas Bahia, toponímico, assim como a mascote Baianinho, nunca foram um problema, ao contrário, construíram a potência sígnica de uma marca forte que nasceu na ambiguidade inovadora própria dos tempos hipermodernos e pela sensibilidade de seu criador.

 

 

Clotilde Perez

Professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, Clotilde Perez é titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Ela é fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Ela apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.