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Atividade do Fact-Checking: colaboração ou deslegitimação da atividade profissional do jornalista?

Publicado em

28/09/2021 08h00

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No Brasil, os meios de comunicação da imprensa profissional foram considerados pelos leitores brasileiros como os mais confiáveis na cobertura da crise do Coronavírus, segundo pesquisa do Instituto DataFolha, emitida ao fim de março de 2020. TVs e jornais lideram com 61% e 56%, respectivamente, do índice de confiança sobre o tema. Em seguida vêm os programas jornalísticos de rádio (50%) e sites de notícias (38%). Somente 12% das pessoas confiam nas informações compartilhadas em aplicativos e redes sociais.

 

Bem verdade que a relevância da imprensa ganhou um novo fôlego no cenário construído a partir da crise da Covid-19. Se as transformações do Jornalismo nos aprisionavam numa crise de identidade e falta de perspectiva sobre o futuro da profissão, agora a sociedade se guia pela atividade do jornalismo profissional contra a desinformação. Os telejornais voltaram a ter protagonismo na grade televisiva; os portais de notícias ganham respaldo e repercutem nas redes sociais. A prática jornalística ganhou caráter de atividade essencial em meio à pandemia mundial. Assim, os jornais brasileiros uniram capas; grupos de comunicação tornaram-se parceiros em campanha contra fake news. Mais do que nunca responsabilidade e ética tornaram-se diferenciais para o consumo da informação.

 

Neste sentido, a construção social da realidade perpassa pelas narrativas jornalísticas. A concepção construcionista do Jornalismo surge da sociologia do conhecimento a partir da compreensão de que a própria realidade é construída socialmente. Desta forma, entende-se que o Jornalismo influencia posições, legitima ações, destaca perspectivas, evidencia atores e seleciona pautas em detrimento de outras. 

 

Nessa perspectiva, a apuração e a checagem jornalística tornaram-se as principais ferramentas no combate à desinformação e fake news em um dos períodos mais delicados da história da humanidade, colocando em evidência o exercício do fact-checking, isto é, “checagem de fatos”, atividade que se popularizou nesse contexto. No Brasil as agências Lupa (Revista Piauí), Truco (Agência Pública), Aos Fatos, Prova Real e Filtro Fact-Checking ganham cada vez mais visibilidade. No cenário internacional, os pioneiros são o Politifact.com, Factcheck.org e o Washigton Post’s Fact Checker. Esse movimento indica o retorno da profissão a um dos principais pilares do jornalismo tradicional: a apuração, trazendo também uma problemática quanto à legitimação da prática jornalística no que tange o método de apuração das informações.

 

Para parte dos pesquisadores, houve uma transferência da credibilidade dos veículos de comunicação que produzem a notícia para estas novas estruturas que garantem uma checagem mais assertiva, afinal, se a credibilidade é um valor dado a priori, constitutiva dos valores essenciais do jornalismo, não haveria um espaço a ser ocupado por um ente externo. Nesse sentido, o serviço de fact-checking pode ser compreendido como uma subversão da lógica de produção da notícia.

 

A ascendência das agências de checagem sinaliza para o rompimento de um dos valores essenciais do Jornalismo, já que a credibilidade jornalística é conquistada a partir da apuração das informações. Uma vez que a credibilidade no jornalismo se desloca para fora das redações dos veículos, surge o questionamento sobre quais valores restarão para que o Jornalismo permaneça com seu lugar na construção social da realidade.

 

Para outra parte dos analistas, o fortalecimento de uma estrutura especializada na checagem dos fatos pode colaborar com os veículos para uma produção noticiosa ainda mais rica e ética em um cenário de combate à desinformação e extrema aceleração da dinâmica social contemporânea, em que tudo ganha caráter de urgência.

 

Na dúvida, uma coisa é certa: das notícias falsas que nasce uma oportunidade de fortalecimento do ethos jornalístico. Na minha aposta para o futuro da atividade, está uma sólida parceria de agências de checagem diante de um cenário de extrema aceleração digital e alta produção de notícia, mas para isso, é necessário um aprofundamento dos estudos sobre rotinas produtivas e código deontológico da profissão entre os profissionais, sociedade e entidades representativas da classe. Estamos prontos para avançar nessa discussão?

 

Giulianne Batista

Mestra em Comunicação (UFC). Jornalista pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com distinção Magna Cum Laude. Conquistou o LinkedIn Talent Awards 2019, prêmio que destaca as empresas com os melhores resultados em talent acquisition e employer branding na maior plataforma profissional do mundo através de estratégia em comunicação junto às Relações Institucionais e ao RH do Grupo Edson Queiroz. Vencedora do Prêmio de Melhor Revista Laboratorial Impressa do Brasil 2016 pelo XXXIX Intercom Nacional. Tem passagem como analista de Comunicação Corporativa na Advance Comunicação e Engaja Comunicação, desenvolvendo conteúdo para Sistema FIEC, Sinduscon Ceará, OAB Ceará e Grupo Edson Queiroz. Participou da equipe de produção da Revista FIEC. Foi editora de texto e redatora na Revista Ambientes Ceará. Integrou as equipes de Assessoria de Comunicação do Banco do Nordeste (BNB) e Ministério Público do Trabalho no Ceará (MPT-CE).