As bolhas e o cancelamento a torto e a direito

Publicado em

23/03/2022 11h50

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Na obra Como sair das bolhas (FERRARI, 2021), a autora apresenta as várias atividades que podem ser feitas para evitar, por exemplo, as fake news. E, nesse sentido, somos levados a uma questão presente nas mídias, os nichos. São personalizações de usuários nas redes. São aqueles espelhos que nos mostram a porção Narciso de cada um. De fato, bolhas são molduras ideológicas. Há várias indicações de estarmos inseridos em universos de egos inflados, de um consumo exacerbado, de vigilâncias de poder. Tudo isso acaba tirando-nos o olhar para o senso crítico.

 

Essa falta de senso crítico que só se resolve, sabemos, com a educação, com a busca de elementos externos a nossa bolha, implica em cancelamentos do diferente, das incertezas de inclusões, das exclusões sociais, da falta total de ética. E, de repente, de um e de outro lado político, assistimos a aberrações semânticas.

 

Em plena pandemia COVID19, a polêmica causada pela crítica de Lilia Schwarcz (2020) a um show de Beyoncé, Black is king, (veja aqui) levou a antropóloga a um pedido de desculpas nas redes sociais aos fãs da cantora que viram na crítica um racismo, um racismo estrutural, diria Silvio de Almeida (2018). O fato de a autora ser branca, acadêmica, inflou ânimos porque, segundo os fãs, Lilia estaria exercendo um lugar de fala (RIBEIRO, 2020) que lhe dava poder e autoridade. Um argumento de autoridade como sabemos existir nas mais simples e sofisticadas peças publicitárias. O fato é que Schwarcz, mesmo se desculpando, viu-se envolvida em forte mal entendido. Ninguém mais lembra disso, enfim.

 

Ou talvez ninguém mais se lembrasse disso até que o áudio vazado de Falei, mamãe viesse a público e, com toda justiça, o cancelamento de Arthur do Val, deputado estadual, foi exigido pela sociedade e isso causou um corte político e muitas outras adversidades aos partidos envolvidos com o youtuber. O caso também levou a outros questionamentos éticos em relação a vazamento de aúdio. Christian Dunker (2022) em seu canal no youtube, Machismo e Arthur do Val, aponta essa questão da ética do vazamento assim como o escancaramento do machismo, machismo estrutural diríamos.

 

Na mesma linha crítica, o humorista Ricardo Araújo Pereira (2022) publicou na Folha (Ilustrada, C8, 13 de março de 2022), uma crônica declarando intolerância à cretinice, às manifestações tóxicas que ouvimos de muitos políticos. Na mesma Folha (Cotidiano B3, 13 de março de 2022), o escritor Antonio Prata fez um texto bem humorado solicitando um cancelamento por divergir da elegância e conforto dos chinelos Havaianas. Passados apertos nos pés, o autor faz uma declaração de amor ao concorrente patricinho, Rider. No fundo, claro, a crônica brinca, mas o caso é sério, com as dualidades políticas a que estamos sujeitos. Às tortas e às direitas.

 

Metáforas à parte, vivenciamos uma Rede de ódio, a mesma do drama polonês de Mateus Pacewicz, de 2020, em que um falacioso jovem, expulso por plágio da universidade, assume controle na rede disseminando ódio em cadeia.

 

Quando as bolhas explodem, os nossos olhares divergentes revelam valores éticos? Ou continuamos arraigados a elas procurando colar palavras alheias disseminando-as sem nos darmos conta da gravidade disso? Se é difícil sair das bolhas, o melhor é buscar a instrutiva e salutar tentativa de informações que coloquem em xeque verdades duvidosas, fake news. Parece fácil quando falamos de chinelos. Será?

 

Roseli Gimenes

Coordenadora do curso de Letras da UNIP

Coordenadora do projeto Cultura em Foco do Instituto Legus

Professora no curso Semiótica Psicanalítica PucSP

Pós doc em Comunicação e Semiótica PucSP

Doutora em Tecnologias da Inteligência e Design Digital PucSP
Mestre em Comunicação e Semiótica PucSP

 

 

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Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.