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A publicidade anda menos criativa?

Publicado em

25/08/2021 13h24

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Faço a pergunta que encabeça este artigo na perspectiva tanto de um professor universitário de criação publicitária quanto um consumidor nos idos de 2021. Enquanto docente, formulo tal questão, tendo à minha frente uma jovem geração de futuros publicitários que, ao me ver apresentando estratégias criativas clássicas e exemplos de peças publicitárias de um passado não muito distante, me fazem perguntas do tipo “alguém ainda lê texto?” ou se encantam com aquelas referências que trago como se elas fossem extremamente diferentes do que observam em suas timelines. Enquanto consumidor, tal pergunta me instiga após um dia repleto de e-mails recebidos de uma marca de dermocosméticos com a mesma abordagem promocional (foto, foto, preço, preço e um breve descritivo) e o recebimento de mais uma das três notificações com trocadilhos “engraçadinhos” que religiosamente recebo de um aplicativo de delivery (e que nunca me servem de nada).

O excesso de mensagens publicitárias e a padronização de suas linguagens, em um primeiro olhar, se tornaram marcas do que viria a ser a publicidade na atualidade. Em parte, a soberania das redes sociais como estratégias de comunicação na contemporaneidade tem sido a principal força motriz da mesmice. Quando até mesmo uma prima minha nutricionista (uma querida, aliás!) começou a fazer dancinha em sua página no Instagram para apresentar os benefícios das fibras e vender o seu trabalho, vi que realmente as coisas haviam tomado grandes proporções.

Nas agências, onde outrora a criatividade era o segredo do negócio, o volume de trabalho nas áreas de criação aumentou vertiginosamente na mesma medida em que o brilho das ideias foi se tornando cada vez mais opaco. Pudera: como ser uma fonte inesgotável de grandes ideias quando se tem que fazer um layout e um “textinho” (o diminutivo é proposital) por minuto? A pesquisadora e professora Maria Cristina Dias Alves, em sua tese de doutorado “Mediações e os dispositivos dos processos criativos da publicidade midiatizada”, lá em 2016 já apontava que algo vinha mudando, para o bem e para o mal, nos departamentos de criação.

O tempo de fruição estética e de reflexão ética na publicidade também mudou, evidentemente. Se o material audiovisual não captar sua atenção nos cinco segundos iniciais, adeus! “Pular anúncios”. Não é difícil perceber que já estamos distantes daqueles tempos de se devorar uma revista (e seus anunciantes) por um final de semana inteiro, enquanto assistimos atentos aos comerciais na televisão esperando a continuidade da novela que só passa naquele dia e naquele horário, sem reprise. Em certa medida, isso prejudica a possibilidade de existência de “campanhas memoráveis”, que se desdobravam longamente por semanas e meses e fixavam na memória do consumidor.

Há de se pensar, é claro, no que viria a significar criatividade na publicidade hoje. Muitos têm defendido a ideia de que a criatividade é também estratégia, empreendedorismo, inovação. E isso, inclusive, tem se refletido nas alterações de grades em universidades e em um leve desinteresse dos alunos pela clássica área de criação. Sem dúvidas, há criatividade na escolha dos formatos, na formulação de planos táticos e na criação de novos negócios. Mas só isso basta? Se tentarmos puxar de memória aquelas peças de comunicação que se basearam apenas em forma e não também em conteúdo, teremos certa dificuldade. A estratégia de cupons é linda por sua conversão, mas que mensagem fica? Quais são os sentidosconstruídos nas mentes e nos corações dos consumidores por uma marca que envia dois e-mails marketing por dia? Não sobra nada. Ou o que sobra é tão pouco que é rapidamente levado à lixeira da memória.

A visão derrotista de que “as coisas são assim mesmo” não me convence. E digo isso porque algumas campanhas – como aquelas do Burger King no Halloween, com suas vassouras em riste no drive-thru em um misto de campanha viral, promoção e irreverência, ou do gesto empresarial-publicitário da ida de Anitta ao quadro de acionistas do Nubank, atingindo várias dimensões simbólicas e imagéticas – conseguiram entender os novos fluxos comunicacionais que tornaram a publicidade mais complexa e, em vez de apenas se contentarem com a repetição do que já existe, buscaram se aproveitar das novas dinâmicas para se destacarem. E, bom, em meio a tanta mensagem repetitiva, não anda muito difícil se destacar quando se faz um trabalho bem-feito.

Nem só de influencer e meme vive a publicidade. E, quando falo em meme, não me refiro apenas ao uso de imagens engraçadinhas que volta e meia surgem nas redes, mas, sobretudo, falo da ideia de reprodução desenfreada que o próprio conceito de meme traz. E, por influencer, falo da inserção sem sal de produtos em lifestylestotalmente padronizados e pasteurizados, apartados de qualquer reflexão ética, que, por vezes, tornou-se o grande filão da comunicação das marcas. Há muito, muito mais a se explorar.

Sim, a publicidade anda menos criativa, sob certo ponto. Mas, nem por isso, ela deixou de poder ser criativa. Muito pelo contrário. As novas dinâmicas são a dor e a delícia do fazer publicitário na atualidade. Quando não a compreendemos, tendemos a nos repetir. Quando a entendemos, deparamo-nos com um mundo de possibilidades. Por isso, retomo as duas perspectivas a partir da qual formulei a pergunta inicial para dizer: marcas e agências, nós, consumidores, estamos saturados. Queridos alunos, futuros publicitários, a bola está com vocês.

 

Renato Gonçalves 

É docente na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP) no curso de graduação em Comunicação e Publicidade. Doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA-USP). Mestre em Filosofia pelo Instituto de Estudos Brasileiros da USP (IEB-USP). Membro do GESC3 (Grupo de Estudos Semióticos em Comunicação, Cultura e Consumo).

Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.