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A diversidade do conhecimento em Conselhos de Administração: sem medo da diferença

Publicado em

04/05/2022 12h39

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A diversidade é um tema muito presente e necessário nos dias atuais. Revela a valorização, pelo menos no discurso, do diferente, do variado, da multiplicidade dos olhares, ideais, formações, etnias, idades, gênero e tantos outros parâmetros pelos quais existimos e que nos identificam. A questão que se põe é sempre a de privilegiar a expansão das possibilidades porque acreditamos que o diverso é melhor que o homogêneo, aliás, como muito bem afirma Chul-Han, o igual é plano, liso, sem contrates, portanto, sem crescimento; é o mais do mesmo, ou como afirma o filósofo sul-coreano, o inferno do igual. Não podemos negar o conforto do igual, sem contrastes, contrapontos ou qualquer tensão, garante a serenidade e o sentimento de reforço dos hábitos e crenças.

 

            De alguma maneira, todos os espaços e contextos demasiado homogêneos precisam se rever e alguns já estão nesse caminho há muitos anos. Poderíamos destacar aqui, as universidades públicas brasileiras que caminharam muito na última década, buscando ampliação da diversidade com inclusão de alunos vindos das escolas públicas, PPIs e demais segmentos apartados ou minorizados. Iniciativas começam a surgir nos concursos de professores, nos projetos e órgãos colegiados. Na produção audiovisual e na publicidade em particular, a expansão da diversidade é visível, ainda que questões relacionadas a idade, principalmente no caminho das presenças e vozes de pessoas mais velhas, seja pequena, por exemplo. É necessário evoluir nesse e em outros aspectos. Nas organizações houve nítida alteração no sentido induzir mudanças mais importantes nas contratações de funcionários, com programas específicos para mulheres, principalmente em posições de liderança, para negros, portadores de necessidades especiais e também idosos. Pouco a pouco, certamente não na velocidade ideal, estamos mudando, dando espaço à diversidade.

 

No entanto, ainda há espaços extremamente homogêneos, onde o igual confere tranquilidade e reforço contínuo, funcionando como uma espécie de bálsamo fortificante. Faço referência aqui aos Conselhos de Administração e boa parte dos órgãos colegiados das empresas de capital aberto. Sua condição jurídica, implica na existência de um Conselho, sempre no caminho da ampliação e da valorização da multiplicidade inerente aos órgãos colegiados, como resposta efetiva para o cumprimento da missão de efetivar a posição lógica de mediação, qual seja, a de trazer contribuições fundamentais acerca da organização (olhar para dentro) e aportar informações e análises sobre a concorrência, dinâmicas do mercado, ambiente político e econômico etc. (olhar de fora). A questão é que a esmagadora maioria dos Conselhos de Administração é composta por homens brancos, heterossexuais e com destacada posição social. Quando comecei a fazer o curso para formação de Conselheiros do IBGC em abril de 2021, recebi a informação de que em apenas 10,4% dos Conselhos de Administração de empresas brasileiras, havia 1 mulher na sua composição. Discussões e ações concretas no sentido de ampliar a presença de mulheres nessa instância colegiada vem acontecendo, incluindo o IBGC, mas também podemos destacar a forte atuação do WCD Women Corporate Directors, fundação americana, com a filiação de mais de 65.000 mulheres que pensam, discutem e agem em prol desta fundamental mudança e inúmeras outras iniciativas no Brasil. Há muito que se fazer não apenas no sentido de ampliar a diversidade de gêneros, mas outras diversidades.

 

Quero me ater aqui a uma diversidade pouco discutida nas organizações que é a diversidade de formações e conhecimentos. Nesta semana, o Estado de São Paulo publicou uma matéria tematizando a questão, o que foi bastante celebrado no contexto dos interessados pela temática da diversidade no ambiente corporativo. A tradição dos conselhos é a de agregar pessoas, homens em sua imensa maioria, com formações em engenharia, finanças e direito, certamente formações importantes. A questão é o total domínio dessas formações e carreiras, sem qualquer abertura. Como é possível cumprir o papel fundamental do Conselho que está relacionado a esse lugar dentro-fora sem diversidade? Impossível. Quem são os profissionais em termos de formação e experiência capazes e aportar diferentes pontos de vista acerca da sociedade do que aqueles com formação nas humanidades e, principalmente, em comunicação? A diversidade de conhecimento sempre esteve presente nos debates acadêmicos e se fortificou coma discussões e práticas da multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. Chegou a hora dos Conselhos se abrirem e valorizarem as formações e o aporte de conhecimentos e experiências das humanidades e da comunicação, sabendo, certamente, que a diferença pode desestabilizar crenças e lugares cristalizados, mas é só desta maneira que o caminho para uma ambiência corporativa em diálogo efetivo com a sociedade será possível. A sigla mais adorada do momento, ESG, só será conquistada quando o diálogo e os interesses da sociedade fizerem parte do pensamento estratégico das organizações e não apenas os interesses dos acionistas. Como podemos aportar a sensibilidade acerca dos valores sociais compartilhados socialmente, que ao final, determinam como as pessoas sentem, pensam e agem sem as humanidades e a comunicação?

 

Professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, é titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Ela é fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Ela apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.

 

 

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Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.