A disparidade de gênero e a necessidade da liderança feminina

Publicado em

17/11/2021 08h00

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A igualdade de gênero é uma condição urgente e, por isso, tem dominado as pautas nos mais diversos segmentos da sociedade. Isso também é verdade no ambiente universitário. A carreira do magistério foi uma das primeiras a se abrir para as mulheres, principalmente na educação básica. Mas esta abertura demorou a ocorrer no ensino superior, e ainda assim é uma abertura muito parcial. Também na liderança das agências de fomento e associações científicas a presença das mulheres é bastante pequena. Para termos uma ideia dessa assimetria de gênero, até hoje não tivemos nenhuma ministra da Ciência e Tecnologia ou uma presidenta da Associação Brasileira de Ciências.

 

A desigualdade de gênero não é um problema novo, dos nossos tempos. Ao contrário. Movimentos a favor da igualdade entre homens e mulheres existem desde o século XVIII com manifestações das mais variadas no mundo todo. No Brasil, as mulheres têm lutado contra a opressão do patriarcado desde o período colonial, ainda assim, o movimento feminista só se fortaleceu no século XIX, ganhando a face que conhecemos hoje. Podemos afirmar que, durante esse período, as estruturas da sociedade eram muito mais rígidas e formatadoras, delimitando os papéis sociais mesmo antes do nascimento e quando nascido, se fosse homem, você poderia ter a chance de ter uma educação formal e assumir posições de protagonismo e liderança na sociedade; se nascida mulher, seu dever seria desempenhar tarefas domésticas no ambiente familiar, ser esposa e mãe.

 

Mulheres eram apartadas de direitos básicos, impedidas de tomar qualquer decisão mais significativa, com destaque para a emblemática proibição do voto, direito só assegurado em 1932. Mesmo depois da inserção das mulheres no mercado de trabalho, que se acelera a partir da segunda metade do século XX, elas obrigatoriamente ocupavam posições auxiliares e muitas vezes, assistenciais. E foi assim por décadas.

 

Desde então a situação vem mudando, mas ainda pode e deve melhorar bastante. Enquanto as mulheres, atualmente, têm mais chances de se capacitar e de ocupar posições de liderança, elas ainda são minorias em cargos de administração e segundo o IBGE recebem, em média, 22% a menos do que seus colegas homens. Na USP, por exemplo, temos 39,3% de professoras e 60,7% de professores, o que já se mostra bastante desigual, no entanto, quando observamos a presença de mulheres em cargos de gestão os percentuais são 31,7, enquanto a de homens esses percentuais sobre para 68,3%. Na posição de direção o percentual é ainda mais preocupante: 24% de diretoras contra 76% de diretores. Outro dado alarmante que revela a desigualdade é quando observamos a participação na mais alta posição da carreira, cerca de 71% dos professores titulares são homens e apenas 29% mulheres. Mais do que um problema social, a escassez de mulheres em posições de chefia ou de liderança nas diversas áreas representa um grande problema econômico para as carreiras, uma vez que à essas posições correspondem salários mais elevados.

 

Muito se fala sobre a importância de se estabelecer igualdade entre homens e mulheres, sobretudo no mercado de trabalho. Mas, por que essa questão é recorrente? A liderança feminina é essencial para um adequado desenvolvimento social e econômico sustentável no tempo. Essa é a principal conclusão do estudo Women Rising 2030, do Business & Sustainable Development Commission (BSDC). Esse relatório contém os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS, que englobam a erradicação da pobreza, a preservação do meio ambiente e, também, a diminuição da desigualdade em todos os aspectos, inclusive de gênero. Além disso, de acordo com o estudo Better Leadership, Better World, locais de trabalho que valorizam a igualdade de gênero podem produzir mais de US$ 12 trilhões por ano, além de gerar milhões de empregos. Ou seja, a presença feminina gera riqueza.

 

Atualmente, as mulheres ocupam apenas 15% dos cargos em conselhos de administração de todo o mundo e no Brasil este percentual é ainda menor, cerca de 11%, segundo informação do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Ainda assim, existem alguns sinais que apontam para o crescimento da presença feminina em cargos executivos e de liderança. A Organização das Nações Unidas (ONU), divulgou recentemente a informação de que atingiu o equilíbrio entre homens e mulheres em suas posições de alta administração. O Brasil entrou para o ranking de países com mais mulheres em posições de destaque no ambiente empresarial no ano de 2019, mas ainda não temos dados mais recentes para compreender se a pandemia afetou esta condição. Apesar dos sinais positivos, ainda há muito espaço para crescimento, afinal, problemas como a falta de oportunidades, preconceitos e jornadas duplas são recorrentes no dia a dia das mulheres.

 

Esta realidade assimétrica também precisa mudar na universidade. Não podemos seguir com esta disparidade porque é injusta, despropositada e antiquada. A universidade é o espaço da diversidade de pensamentos, do debate de ideias, da formação e, ao final, o lugar que faz avançar o conhecimento e com ele, a melhoria de vida para todas e todos.

 

 

Maria Aparecida Moreira Machado

Pró-reitora de Cultura e Extensão da USP

(licenciada)

mmachado@fob.usp.br

Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.